la rebelión consiste en mirar una rosa

hasta pulverizarse los ojos


Alejandra Pizarnik


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“Joan Baez foi ameaçada de morte, proibida, perseguida...”: Julio Emilio Moline, co-diretor "Joan Baez na América Latina: There But For Fortune (documentário 1981) " / entrevista de Viviana Marcela Iriart, Los Angeles, 3 de março de 2014 / fotos Joan Báez 1981: Julio Emilio Moliné







“O Brasil estava sofrendo uma epidemia de "carros-bomba" naqueles dias, (...)  e a ditadura utilizou esse fato para evitar os concertos de Joan para "proteger o público"


Joan Baez, LulaEduardo Suplicy (em pé) e  Julio Emilio Moliné (bigode),
São Paulo, Brasil, maio 1981. Foto cortesía J.E.Moliné


Depois daquela turnê histórica na que Joan Báez aterrorizou tanto assim aos ditadores da Argentina, o Chile e o Brasil, que eles  ameaçaram de morte a ela e foi proibida de cantar, entre outras coisas, a lendária cantora, compositora e pacifista dará shows este mês de março nos mesmos países onde seu canto fez tremer  aos genocidas em 1981.


Eduardo Suplecy e Joan Báez, Teatro Tuca, São Paulo, Brasil, maio 1981.

“A bela  Laura Bonaparte era uma psicanalista argentina. Em 11 de Junho de 1976, seu marido, bioquímico, foi levado de sua casa, na frente dela e nunca mais viu  a ele. Quando ela foi à procura de sua filha, que também tinha “desaparecido”, eles deram-lhe uma mão num frasco de vidro para que ela fizesse a identificação”. Joan Báez  And a Voice to Sing With  (autobiografia

 




Joan Báez Adolfo Pérez Esquivel, Buenos Aires maio 1981 / Foto: La Nación

 



"Durante a visita de Joan (...) eles colocaram uma bomba e tivemos que  desocupar a casa (...) e levar correndo a  Joan  a um bar distante  para mantê-la segura. Liguei para os bombeiros, que apareceram com um caminhão da esquadrão anti-bombas e retiraram do  balcão uma caixa com fios que eram visíveis com a bomba,  a que fizeram explorar na casa (....) a presença de Joan  na Argentina foi um grande  apoio e fortaleza para a causa em  defesa dos direitos humanos, ela nos fortaleceu em nossa luta. "  

 Adolfo Perez Esquivel ,   La Nación , Buenos Aires, 1 de março de 2014






Lula e Joan Baez, maio 1981


Graças a   Joan Báez por sua valente e amorosa turnê de 1981 para trazer consolo, alegria e esperança às vitimas das ditaduras de Pinochet, Videla e João Baptista de Oliveira Figueiredo.

Graças a   Joan Baez porque apesar de ser ameaçada de morte, perseguida, proibida, ficou ao lado de nós, nos cantou e mostrou ao mundo o horror das ditaduras no maravilhoso documentário: Joan Baez in Latin America: There but for Fortune”.

Graças a  Joan Baez porque ela deu voz, rosto e humanidade ás vítimas.

Graças a   Joan Baez por denunciar da  mesma maneira  os crimes cometidos pelas ditaduras de direita, de esquerda e as democracias.

Graças a Joan Baez por sua luta pelos direitos humanos, sua oposição às guerras, a carreira armamentista, as discriminações, os regimes totalitários.

Graças a   Joan Baez por fazer-me conhecer aos 16 anos a não-violência e a sua diferença com a passividade.

Graças a   Joan Baez porque sua luta não se limita a cantar e dar declarações à imprensa, como esse documentário e esta reportagem (entre muitos outros fatos)  provam.

Graças a  Joan Baez por sua voz, que acalma todas as dores.

Graças a  Joan Baez por ser faro e bandeira, mas também dúvida.



E graças Julio Emiio Moliné   por compartilhar parte de suas lembranças e fotos daquela corajosa turnê de Joan Baez na América Latina... cá, por fortuna.



Joan Baez Madres,  Buenos Aires, maio 1981  ©Julio Emilio Moliné

"Na Argentina, foi onde mais ameaçaram a  Joan, nos expulsaram de um hotel, jogaram bombas de gás lacrimogêneo (...) havia sempre um Ford Falcon sem placas nos seguindo por toda parte. Dentro dele estavam quatro rapazes misteriosos."






Julio, como é que você se integrou à turnê humanitária e shows que Joan Baez realizou em 1981 pela Argentina, o Brasil e o Chile para mostrar sua solidariedade com as vítimas dessas ditaduras?
 Uma manhã de segunda no final de abril de 1981 recebeu um telefonema no trabalho (eu trabalhava numa emissora de TV) do meu amigo John Chapman, um cineasta independente de São Francisco. Ele me disse: Você gostaria sair de turnê por América Latina com Joan Báez por um mês? O que você acha? Filmamos a ela e fazemos um documentário.”

Eu falo espanhol, tinha vivido muitos anos no Chile e  viajado pela Argentina, então John pensou que eu era um bom parceiro para esta aventura.  John era um cara muito interessante. Um pouco mais velho do que eu, ele tinha trabalhado em  Apocalypse Now  com Francis Coppola. Até está como figurante numa das últimas cenas do filme. Em 1978 ele foi para a Nicarágua durante a Revolução Sandinista e filmou um documentário muito bom,  Scenes of a Revolution.   Como eu também tinha filmado em Nicarágua, em seguida nos tornamos amigos.

Eu disse que sim, embora não tinha férias e teria que obter  permissão sem salário. O outro problema era  que minha esposa ficava grávida e nossa filha nasceria durante a turnê, então precisava falar com ela primeiro. Generosamente ela disse que sim. E nossa filha nasceu quando eu ficava em Buenos Aires.

Essa segunda à noite quando recebi o telefonema de John, nós nos encontramos  com Joan em um restaurante chinês em Palo Alto. Joan me deu o aval e começou os procedimentos de preparação.


Qual foi sua impressão de Joan?

Eu me lembro de estar um pouco chocado por estar comendo arroz chinês com uma pessoa tão famosa. Além de ser uma mulher muito bela, ela foi muito amigável e cálida. Ela fez muitas perguntas sobre a América Latina, algumas com boa informação e outras  não tanto e pagou pela comida.

 Ela me deixou uma impressão muito boa por sua cortesia e seu bom humor.



Que dia começou a turnê?

John e eu nos reunimos com  Joan e Jeannie em 3 de maio de 1981 na Cidade do México, onde fizemos uma entrevista à doutora argentina Laura Bonaparte (sua família sofreu muito nas mãos da ditadura), e naquela noite Joan deu um concerto e aproveitamos para testar os  equipamentos.

No dia seguinte, fomos para a Argentina, onde ficamos até o dia 15 de maio, o dia em que cruzamos a Cordilheira dos Andes para o Chile. Ficamos em Santiago até o dia 19 de maio, quando saímos para o Brasil. Ficamos em São Paulo e Rio por alguns dias e depois fomos para a Nicarágua. Daí John e eu voltamos  para os EUA e Joan e Jeannie foram-se para a Venezuela.


Essa turnê foi gravada, com exceção da Venezuela e a Nicarágua, no maravilhoso documentário "Joan Baez  in Latin America: There But for Fortune”. De quem foi a idéia de fazer o documentário? Qual era o objetivo? Como foi financiado?

O motor principal do documentário foi John Chapman, que convenceu a Joan que seria muito bom gravar sua turnê para a história. Grande parte do financiamento para a turnê veio de Diamonds & Rust, a empresa de Joan na Califórnia. Meu salário o pagou a KTEH TV, a estação de televisão onde eu trabalhava. A KTEH também emprestou os equipes de filmagem,  financiou a pós-produção e os custos editoriais. Para o coitado de John foi bastante difícil durante a pós-produção, porque ele era independente e não tinha salário.

Tragicamente, John Chapman morreu num acidente em 1983, menos de um ano depois de terminar o documentário. 


Você acha que Joan Báez imaginava que ela iria receber ameaças de morte, bombas, gás lacrimogêneo e censura de seus shows nos três países?

Não. Ela acreditava que seria difícil, mas nunca na medida em que aconteceu. Quem plantou a semente da turnê na mente de Joan foi o escritor chileno Fernando Alegria, que na época era professor de literatura na Universidade de Stanford. Ele acreditava que as coisas se estavam suavizando um pouco no Cone Sul e que a visita de Joan daria muita energia aos povos da América Latina e, especialmente, aqueles que estavam protestando contra as ditaduras.


Como fizeram para filmar o documentário quando vocês eram vigiados pelas ditaduras o tempo todo?

Foi muito difícil, porque o medo era mais comum do que o sol, e por boas razões. Muito poucos nos EUA sabiam da guerra suja na Argentina, dos esquadrões da morte no Brasil  e da  DINA / CNI no Chile, mas nós sabíamos disso.  Nos EUA isso foi totalmente ignorado pela maioria. Lembre-se que, em 1980, Reagan foi eleito presidente nos EUA com a missão de reverter muitos dos avanços liberais dos anos 70. Mas eu tinha vivido a ditadura de Pinochet e sabia que seriamos sendo observados. O mais provável era que confiscaram  nossos equipamentos no aeroporto e  seria o fim do documentário. Por esta razão, decidimos ir super leves com um par de câmeras  Elmo Super 8, gravadores de cassetes  Sony TCD 5 e uma grande mala  de filme  Kodachrome e  Ektachrome.  Tínhamos um par de luzes e um tripé e isso era tudo todo.

Muitas das cenas do documentário são interiores: concertos, apartamentos, casas de amigos, etc. Dessa maneira nós podíamos deixar fora a vigilância e filmar o que podíamos com as poucas luzes que tínhamos.  Para as cenas externas geralmente nós íamos sem Joan porque ela atraia muita atenção. 



Quem fez a equipe de Joan Báez, além de você?

Quatro: Joan, Jeannie Murphy, que era como a produtora / gerente de Joan, John e eu. Em cada país, havia muitas pessoas que nos ajudaram e tornaram possível que só quatro pessoas pudéramos fazer a turnê e o documental. Curiosamente, no Chile os tablóides deram a entender que o John e eu éramos "amigos" (namorados) de Joan e Jeannie, mas isso foi uma invenção de pessoas ao serviço da ditadura. No entanto, aos meus amigos no Chile isso lhes causou muita graça. 


Houve um país mais perigoso do que os outros ou em todos Joan Baez foi perseguido da mesma forma?

O mais perigoso foi Argentina, mas acho que os militares estavam mais interessados em que nada  acontecera  com Joan mais que  eles fazer dano a ela. É minha especulação, mas eu acho que no Chile, Pinochet ficava muito mais seguro de seu poder em comparação com os militares argentinos ou brasileiros. O Brasil então era uma casa de loucos, ou pelo menos essa foi minha impressão.

Na Argentina, foi onde mais ameaçaram a  Joan, nos expulsaram de um hotel, jogaram bombas de gás lacrimogêneo em uma reunião, etc. Além disso,  havia sempre um Ford Falcon sem placas nos seguindo por todos os lugares. Dentro dele estavam quatro rapazes misteriosos.  Em Buenos Aires foi o único lugar onde eu estava realmente com medo, uma noite cheguei a duvidar de ligar o carro, porque poderia ter uma bomba. Essa noite foi a noite em que minha filha nasceu.

No Chile, a questão foi mais sutil.  Embora Joan tampouco pôde cantar em concertos com ingressos , mas pelo menos ela pôde  cantar em público de maneira grátis. Se fomos seguidos pela ditadura, eu não o percebi, mas com certeza que eles o fizeram.

O Brasil estava sofrendo uma epidemia de "carros-bomba" naqueles dias, muitos dos quais foram atribuídos à ditadura, quando a verdade veio à tona após. Mas naquela época nós não sabíamos isso e a ditadura utilizou esse fato para evitar os concertos de Joan para "proteger o público".




Joan Baez e Zé RamalhoSão Paulo maio 1981. Foto: ZR

"A platéia lotava inteiramente as 1.200 cadeiras e todos os espaços dos corredores internos do Tuca (..)  Essa platéia ficou de pé, e aplaudiu demoradamente, quando Joan Baez finalmente entrou no palco, pouco antes das 9 da noite – não para cantar, mas para avisar que estava proibida de exercer seu ofício (...) Na realidade, ela acabaria cantando duas músicas – sem qualquer acompanhamento, sem microfone, sem alto-falante, de uma janela – para umas 50 pessoas que conseguiram chegar perto da saleta da secretaria do Tuca. Cantou “Gracias a la Vida” e “Cálice”.  Sergio VázJornal da Tarde, São Paulo, 23 de maio de 1981.



Como recebeu o povo brasileiro a Joan?
O povo brasileiro a recebeu com amor, e mesmo que ele não podia cantar, sempre que ele apareceu em público as pessoas aplaudiram a ela.

Joan se encontrou com muitos representantes do Partido dos Trabalhadores (PT).   Eduardo Suplicy,  eu acho que ele foi um deputado na época, levou-nos para muitos lugares, incluindo uma reunião com  Lula  na periferia de São Paulo na união de trabalhadores da indústria automobilística. 

Suplicy tentou obter a permissão para que Joan pudesse dar um concerto, até que eu me lembro que fomos a uma delegacia de polícia  para que Spulicy fizera os trâmites, mas sem sucesso.

Fomos a um concerto de Zé Ramalho e ele a recebeu muito gentilmente no camarim (nuvens de fumaça), mas pediram a ela de  não cantar, porque tinham medo do que poderia acontecer com as autoridades. Acho que foi a auto-censura, mas pode ter havido ameaças, isso eu não tenho certeza. Então Joan subiu ao palco e dançou entanto o  Zé cantava . O público a ovacionou.
A gravadora de Joan no Brasil Joan nos trataram muito bem, mas eles também foram muito frustrados porque  que eles perderam uma grande oportunidade para fazer propaganda de os discos do Joan no Brasil.

Joan também foi entrevistada pela  TV Globo, onde o canal não nos deixou  filmar.  Lembro-me até que o canal nem sequer queria que John e eu entráramos no  edifício. Nunca vimos essa entrevista porque eles não a enviaram como tinham prometido.


Joan  se lamentava pelas coisas que as ditaduras faziam a ela?

Nunca ouvi a ela se lamentar. Isso não é seu estilo.


Qual é o seu estilo? 

Estóico.  Sem queixar-se de suas penas  pessoais,  pois reconhece que há outros que têm penas muito maiores.



Primeira Parte da entrevista.
Entrevista completa (espanhol): vmi



Los Angeles, 3 de  março  de 2014

Fotos de Joan Báez:  Julio  Emilio Moline

Mais fotos de Joan Baez na turnê 1981: www.oilsmudge.com/recollections_3.html





Cineasta independente com sede em Los Angeles, Califórnia.   É especializado na produção, direção e edição de material de televisão nos Estados Unidos e distribuição internacional.   Moliné viveu em Santiago, Chile, desde sua infância até os seus estudos na Universidade do Chile.  Após o golpe de Estado de Augusto Pinochet, deixou o país e continuo os seus estudos na Universidade de Iowa.

O documentário “Joan Baez in Latin American: There But For Fortune” (1981) ganhou vários prêmios.

Como cineasta filmou a Revolução Sandinista na Nicarágua, o assassinato do prefeito Moscone e Harvey Milk, ea tragédia do Templo do Povo. Seu documentário de três partes  do Vale do Silício  (1986)  e é considerado como um dos mais importantes sobre a indústria de alta tecnologia da região. Inclui entrevistas com Steve Jobs e Steve Wozniak (Apple), Bob Noyce e Gordon Moore (Intel), Jerry Sanders (AMD) e outros.

Website:  Julio Emilio  Moliné  




 Joan Baez   oficial)           
Joan Baez América Latina Tour 2014 (videos): You Tube





Nota:  Os tempos mudaram. Joan Baez foi recebida em 13 de março de 2014 pela presidente do Chile, Michelle Bachelet, no Palácio de la Moneda.


Michelle Bachelet e Joan Baez, Palacio de La Moneda, 
Santiago de Chile, 13-03-  2014




Michelle Bachelet, Joan Baez e seu filho Gabriel Harris no Palacio de La Moneda,
Santiago de Chile, 13-03- 2014. Fonte: Gobierno de Chile




Joan Baez e Michelle Bachelet. Fonte: Univisión



 Joan Baez & Michelle Bachelet & Gabriel Harris, 13-03- 2014
Fonte: BioBio








“Julio Cortázar: Cartas 1977-1984” (Alfaguara): carta a viviana marcela iriart. A história detrás da carta / viviana marcela iriart, fotos Eduardo Gamondés, 22 de abril de 2013












Julio Cortázar  não teve só a amabilidade de me dar uma entrevista em Caracas ao final de outubro de 1979, quando eu tinha 21 anos, era uma desconhecida exilada e escrevia free-lance e grátis para “Semana”, uma revista que estava morrendo. Também teve a imensa generosidade de me enviar uma carta agradecendo o envio da entrevista quando saiu publicada, dizendo belas palavras que só uma pessoa maravilhosa como ele podia escrever e que, certamente, eu não merecia. 

Cortázar estava em Caracas para participar da Primeira Conferência sobre o Exílio e a Solidariedade Latino-americana nos anos 70 (Primera Conferencia sobre el Exilio y la Solidaridad Latinoamericana en los años 70), que se inaugurou em Caracas e continuou depois em Mérida, que reuniu aos mais importantes escritores do momento: Mario Benedetti, Eduardo Galeano, Antonio Skarmeta, Ernesto Cardenal…

Eu assinei a entrevista com pseudônimo (o nome foi eleito pelo chefe de redação) porque Cortázar era uns dos opositores mais celebres e combativos da ditadura argentina; minha mãe e minhas irmãs viviam na Argentina e eu temia represálias contra elas.  Cortázar, com a humanidade que o caracterizava, entendeu meu medo quando lhe expliquei. 

Quando nos encontramos no lobby do Hotel Anauco Hilton não nos demos um beijo, ao estilo argentino, senão a mão, ao estilo venezuelano, porque isso foi a primeira coisa que tinha aprendido depois de ter ficado muitas vezes com o beijo no ar vendo a cara de surpreso da pessoa que ia beijar.  Cortázar, que tinha estado muita vezes na Venezuela, parecia conhecer a costume muito bem. 

Ele não perguntou por que eu tinha sido condenada ao exílio  e tampouco contei-lhe.  Admirava-o demais como para perder tempo falando de mim.  Só queria ouvir seu pensamento. Ele estava com Carol Dunlop, encantadora com seus grandes olhos ternos que olhavam maravilhados como se fosse uma menina, e teve muita paciência comigo quando ataquei aos intelectuais que mandavam à gente a combater e depois quando as bombas caiam se escondiam detrás de seus livros.  Não era seu caso, certamente não, mas tinha conhecido tantos intelectuais que eram assim nos meus últimos meses fugindo na Argentina, que sentia asco pelos intelectuais. Cortázar, como se intuíra que eu me estava dessangrando de exílio, respondia meus ataques com paciência e muita doçura.

Ele via-se muito jovem e atrativo (e tinha 65 anos), mas parecia um homem muito triste, embora na entrevista eu diga que às vezes sorria como um menino pequeno, um homem muito preocupado e parecia estar muito cansado fisicamente. 










Quando a entrevista acabou e estávamos nos despedindo, já os dois parados, quando vi que ele começava a caminhar e que ia embora para sempre da minha vida, tirando coragem de onde não sei, eu que era tão tímida, o parei e lhe diz:

- Cortázar, posso lhe pedir um favor?
- ¡Claro! – respondeu com amabilidade.
- Posso lhe dar um beijo?

Cortázar lançou uma gargalhada cheia de surpresa e alegria e por primeira vez vi brilhar seus olhos contentes. Carol, a seu lado, olhou pra mim sorrindo com seus grandes olhos cúmplices.

- ¡Claro!  - respondeu com um sorriso esplêndido, e se inclinou para que eu pudesse chegar a sua bochecha.

Um beijo, uma entrevista, uma carta. Quem podia pedir mais? Cortázar foi meu melhor presente de exílio (junto com Joan Baez, mas essa é outra historia). 




  
“Paris, 30 de Novembro de 1979

Querida Viviana: 

  Obrigado pelo envio da "Semana". A entrevista que me fez ficou muito bem tendo em conta as circunstancias caóticas nas que a fizemos. Há tido muito em conta coisas que eu diz, e espero que os leitores sintam a autenticidade dupla de vosso trabalho e da minha palavra.

Obrigado outra vez, com um abraço muito cordial de seu amigo.  Julio Cortázar












O que Cortázar não sabia, e não tinha por que saber e nunca soube, era que eu tinha sido condenada ao exílio por ser pacifista e editar uma pequena revista “underground” de cultura, Machu-Picchu, na que tinha expressado minha oposição à guerra com Chile em setembro de 1978. Isto significou a persecução, clandestinidade, asilo na Embaixada de Venezuela em Buenos Aires e exílio, nessa ordem. E por não ter militância política era muito ingênua ao supor que bastava um pseudônimo para me esconder da ditadura. 


Porque Alberto Boixadós, escritor argentino aderente da ditadura, cujo livro “Arte e Subversão” (“Arte y Subversión” )  tem um capítulo dedicado a atacar a Cortázar, chamado Gabriel García Márquez, Carlos Fuentes, Julio Cortázar, Mario Vargas Llosa. São franco tiradores ou constituem exército regular?(¿Son francotiradores o constituyen ejército regular?”), pode ler-se, ¡hoje!, no blog neonazismo argentino chamado WeltanschauungNS





Portada del blog



Alberto Boixadós  escreveu em 1981 o livro “A revolução e o Arte Moderno  (“La Revolución y el Arte Moderno") e, continuando seus ataques a Cortázar, diz:



 “Em entrevista formulada a Cortázar por Viviana López Osornio para a revista “Semana”, No. 581, em um canto do Anauco Hilton, com motivo da primeira Conferencia sobre o Exilio e a Solidariedade Latino-americana."







   
 
Isto demonstra duas coisas.

Primeiro, quanto molestavam as palavras de Cortázar à ditadura argentina e seus aderentes, porque “Semana” era uma revista que estava em falência (fechou aos poucos meses) e por tanto tinha muitos poucos leitores e influência na vida política venezuelana, e a entrevista tinha sido feita por uma pessoa completamente desconhecida e insignificante em 1979. 

Mas em 1981, quando o livro foi publicado, eu era uma ativa combatente da ditadura desde meu trabalho ad-honorem em Anistia Internacional e a “Coordenadora Pro-Direitos Humanos na Argentina” (“Coordinadora Pro-Derechos Humanos en Argentina”), formada por parte do exílio argentino na Venezuela, havia deixado de usar pseudônimo em 1979, y me havia convertido numa pequena figura publica, igualmente insignificante mas para a  ditadura qualquer  pulga significava a ameaça duma erupção gigante. 

E segundo, que havia traidores no exílio argentino em Caracas, porque só a gente de meu ambiente sabia que essa entrevista a Cortázar a tinha feito eu, e nunca se havia republicado com meu nome. (Por outra parte, em 1980 adotei o sobrenome materno, Iriart, e assim se me conhece desde então.) Quem ou quem  foram os traidores?

Viver no exílio sempre foi, entre outras coisas, como andar por um caminho minado, nunca você sabia quando podia estourar em pedaços. Tampouco quando a mão que se estendia amiga era a mão que em realidade queria assassina-lo.

Na entrevista Cortázar se lamenta: “Porque isto eu digo-lhes a vocês, mas ninguém o vai ouvir na Argentina, ninguém vai poder lê-lo, vocês vão publicá-lo e salvo que alguém o leve num bolso, ninguém vai poder lê-lo lá”. Eu achava o mesmo. Que errados estávamos! Tínhamos nos esquecido dos traidores, servindo nossas cabeças em bandeja de prata por dinheiro, inveja, ambição, perversão o simplesmente ódio. 

Cortázar não foi convidado à assunção de Alfonsin quando a democracia voltou na Argentina em dezembro de 1983. E se alguém merecia ser convidado por todo o que havia lutado, entregado, deixado de fazer para se mesmo, sacrificado pela democracia argentina, era ele. 

E eu só espero que os traidores tenham sido castigados pela justiça ou pela vida, e senão foi assim, pouco me interessa: nunca deixarão de ser um pedaço de merda debaixo duma bota militar ou dum sapato democrático. 

Cortázar segue sendo um dos maiores escritores de todos os tempos, de  todo o mundo. Um dos seres humanos mais amados. E eu vivo em paz.

E agora que aquela carta que me enviou em 1979, forma parte do livro “Julio Cortázar: Cartas 1977-1984”, que em 5 volumes reúne quase todas as cartas que Cortázar  escreveu em sua vida, só posso dizer uma vez mais: Obrigada, Cortázar, por me permitir ser parte da sua vida. 


 22 de abril de 2013



 
Tradução: Alejandra Rodrigues Matias  / viviana marcela iriart
















Homenaje a 100 años de su nacimiento y 30 de su partida: 
26 Agosto 1914 - 12 Febrero 1984 / 
Homenagem aos 100 anos de seu nascimento e 30 de sua partida:
 26 agosto 1914 - 12 fevereiro 1984