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Alejandra Pizarnik


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A comunhão de todos os tempos, por Floriano Martins, Agulha Revista de Cultura, dezembro 2022, Fortaleza, Brasil

 

∞ editorial | A comunhão de todos os tempos

 



00 | Após as séries “Partituras do Maravilhoso” (2021) e “Surrealismo Surrealistas” (2022) – que será concluída na edição de 25/12 –, a Agulha Revista de Cultura prepara para 2023 uma nova etapa dedicada à reflexão sobre os caminhos da criação artística em nossa época. Durante todo o ano publicaremos duas edições mensais, sempre aos dias 10 e 25 de cada mês, cada uma delas incluindo um total de 10 ensaios que deverão ter um mínimo de 3 mil caracteres. Sob o tema central, “A arte no Século XXI”, os ensaios deverão abordar o modo como política, economia, mídia, mercado, guerras, religiões etc., têm afetado a criação artística em sua perspectiva humanística e quais as projeções para um novo renascimento ao longo do presente Século. Evidente que as escolhas pelos elementos externos serão distintas em cada convidado, de acordo com sua experiência de vida e a natureza de seu trabalho. De igual modo, esses elementos podem ser outros, não devendo haver limitação em face de nossas sugestões. O que desejamos, em tese, é um ensaio sobre as relações entre arte e cultura.



As datas exigidas para entrega dos textos obedecem a uma agenda editorial, assim definidas:

30/12/2022 (para o primeiro trimestre 2023)

28/02/2023 (para o segundo trimestre 2023)

30/05/2023 (para o terceiro trimestre 2023)

30/08/2023 (para o quarto trimestre 2023)

Cada uma das referidas datas só poderá contar com a inscrição de 60 convidados.

Para o momento o que queremos de todos os convidados é que confirmem sua participação em nosso projeto e que definam a própria data de entrega de seu ensaio. Lembramos ainda que os ensaios não devem acompanhar imagens, pois cada uma das edições, como tem sido uma marca da Agulha Revista de Cultura em seus 21 anos de existência, apresenta uma mostra de 48 obras de um artista convidado. Agradecemos a todos, pela renovada cumplicidade.

 

01 | Alguém se surpreende com o modo como as luzes lambem a carne decomposta dos acidentes. Um manancial de sangue decerto altera a modulação do espanto. Tantas vezes a estrada acoberta os desastres que circulamos muitas vezes em volta de espectros de uma dor invisível. Não faltam ocasiões em que nos confundimos com aquele grande clandestino apontado por Aníbal Machado, o que descobriu que o tempo não faz nada às claras, e acabou por compreender que destruição e reconstrução se confundem, e que sacos e sacos vão se enchendo e esvaziando toda a vida. Não há outro sentido na ferocidade virtuosa com que nos enganamos com o destino. É inútil sair a procurar uma razão que se faça mais indigna do que essa. Novamente Aníbal Machado: O temor de que a sociedade possa um dia transformar-se fundamentalmente: Eu tenho defeitos próprios para vencer nesta. Não somos vitoriosos ou fabulosos. Perambulamos entre os pretextos formidáveis de um obscurantismo aviltante. Nossas perspectivas de vida e morte permanecem baseadas em estruturas econômicas, o dinheiro como meio de transporte de um tempo que progride quase sempre em direção contrária ao da comunhão de todos os povos.

 

02 | Em um livrinho mágico que é um dos marcos da entrada em cena do Surrealismo, já em 1919, André Breton e Philippe Soupault reclamam que o imenso sorriso da terra não nos é suficiente: necessitamos dos antigos desertos, das cidades sem arrebol e dos mares mortos. Por esta imagem de Les champs magnétiques começamos nossa viagem, pelo imperativo de descobrir outras dimensões de nossa passagem pela terra. O próprio Surrealismo nasce nos diários de bordo da escuna errante chamada Cabaret Voltaire, e suas intensas reuniões de viajantes.

O automatismo era ali a mecânica de cartas-colagens, a firmação do instante como o carvão propiciador da magia perene da existência humana. A verdadeira compreensão do tempo como um jogo sem fios. A comunicação sublime do eu com seus impronunciáveis outros. Nas páginas da revista Littérature o mundo duplo, que levamos dentro e fora, começa a viajar.

Uma viagem que leva em si tanto dos lugares de encontro como da geografia do espírito de cada um de seus participantes. As multiplicações criativas dos abismos pessoais e o fluxo dos olhares em novas formas de explorar o mundo. Nova teoria de horizontes. Uma metafísica do desconhecido. Por aí a vida vai alcançando sua entranhável altivez polimorfa.

Assim nasce o Surrealismo. Com esse sentido incessante de buscar novas terras. Como um centro de atração dos viajantes mais empenhados em desvelar novos truques de união entre imagem e palavra. O entusiasmo de ir e vir por mundos inapagáveis. Este centro, por impulso de vitalidade, desde seu íntimo tem se afirmado como uma rede de canais em perpétuo movimento. Seu nome não é Zurich ou Paris, mas sim um cabaré e logo um café e mais, as ruas e galerias e portos.

Os jogos e criações coletivas, as alocuções do entusiasmo comum, um sem número de atividades enriquecedoras que permitiam levar seu espírito na bagagem de regresso a vários países do mundo. Desse modo o Surrealismo atracou em outros continentes, chegou a Adelaide, Lima, Tóquio, Rabat etc. O Surrealismo chega ao Japão pelas mãos de Nishwaki Junzaburo (1894-1982) e seu encontro com Takiguchi Shuzo (1903-1979), os dois poetas e artistas plásticos, ou na Inglaterra, graças a Roland Penrose (1900-1984) e a formação de um grupo com David Gascoyne (1916-2001), ou no Peru, com o retorno de César Moro (1903-1956) e sua amizade com Emilio Adolfo Westphalen (1911-2001), e assim foi por todas as partes. Porém quase igual a este modo de impulso do movimento também contribuiu a 2ª Guerra Mundial e seus exílios inevitáveis.

Com o tempo se foi descobrindo que era impensável uma prática ortodoxa do Surrealismo, pois tanto se registravam em seu curso ações grupais como isoladas. Além do mais, as viagens propiciaram uma reciprocidade que foi pouco a pouco agregando novas perspectivas, alterando os erros de formação, sem deixar de se basear em sua tríade fundamental: o amor, a poesia, a liberdade. Era necessário livrar-se dos eufemismos da ortodoxia para criar novas visões de si mesmo e do mundo. Nisso o Surrealismo cresceu ao ponto de ser o movimento cultural mais importante do século XX.

Um de seus erros clássicos derivou da rejeição de André Breton de conhecer outros idiomas além do francês. Com isto pôs em cena uma presença mais plástica do que poética no surrealismo internacional, deixando sob certa obscuridade a grandeza da obra renovadora de muitos de seus poetas. O próprio Breton, acerca da imagem surrealista, anotou no primeiro manifesto:

 

Para mim, não o nego, a mais forte é a que apresenta o mais alto grau de arbitrariedade; a que requer mais tempo para ser traduzida em linguagem prática, seja por conter uma enorme dose de contradição aparente, seja por um de seus termos estar curiosamente oculto, seja por, tendo-se apresentado como sensacional, parecer que termina fracamente (que fecha, bruscamente, o ângulo de seu compasso), seja por tirar de si mesma uma justificativa formal derrisória, seja por ser de natureza alucinatória, seja por, muito naturalmente, conferir ao abstrato a máscara do concreto ou vice-versa, seja por implicar a negação de alguma propriedade física elementar, seja por provocar o riso.

 


Esta força de variados timbres provém tanto da imagem plástica quanto da imagem poética. Seu valor transcendente radica na profundidade da imaginação. Bem o compreendia Benjamin Péret, ao dizer que a poesia é a forma natural de pensamento da humanidade, ou seja, a poesia como explosão do pensamento em seu ambiente tanto poético quanto plástico. O poema, através da visão surrealista, alcançou a transmissão das verdades mais essenciais ao homem – aquelas que estão feitas de permanente risco e aventura sem fim.

Poetas como César Moro, Enrique Molina, Ludwig Zeller, descobriram uma chave de raízes entrelaçadas que os conduz aos mais altos graus da criação poética em língua espanhola. O mesmo se pode dizer dos gregos Odisseas Elytis, Andreas Embirikos e Matsi Chatzilazarou. De igual modo podemos pensar no japonês de Kansuke Yamamoto, Kitasono Katue e Takiguche Shuzo, ou no inglês de Max Harris, Joyce Mansour ou Philip Lamantia. Os exemplos se reproduzem em muitos outros idiomas e essa chave radica não no antagonismo entre mundo auditivo e mundo visionário – como defendia Breton, elegendo o auditivo como a forma maior de concepção do poético –, mas sim como uma fusão dos dois e sem esquecer os demais sentidos.

Ainda estamos por conhecer as esferas encadeadas do Surrealismo na poesia de incontáveis países. As janelas abertas dessa tempestade que avança muito além dos conceitos de tempo e espaço. Um século se passou desde a escritura de Les champs magnétiques e o palco de maravilhas que foi a revista Littérature. Um século desde a compreensão dada pelas colagens de uma nova realidade. Um século desde a aventura transcendente dos jogos coletivos, onde a verdadeira poesia se faz no reconhecimento – jamais na submissão – do outro. Essa alquimia dos sentidos atua como uma prova a mais da vastidão do pensamento, como as letras de fogo que ampliam nossa permanência na terra, e sua esfera mágica – a soma do angélico e do demoníaco que brinda o Surrealismo – é o que há construído tudo em nosso tempo.

 

03 | A nudez e o teatro celebram uma peregrinação mística pelo tabuleiro da existência. De um lado a transfusão perene dos fluidos da inocência e da luxúria, de outro a representação da essência do próprio ser. Ao escrever sobre a fotografia de Sara Saudková (República Tcheca, 1967) – artista convidada da presente edição de Agulha Revista de Cultura, e cabe mencionar a generosidade com que nos recebeu –, o crítico Emilio Bellu observa que ela mostra o poder do relacionamento tcheco com o corpo, a sexualidade e a curiosidade que são difíceis de encontrar em outras culturas. Sua obra plástica é ainda muito ligada à de Jan Saudek, com quem realizou muitos trabalhos comuns – Fiquei completamente surpresa com o mundo dele e sua personalidade me atraiu muito –, porém se deixamos pousar livremente o olhar nas fotos de Sara, no que pese a coincidência da teatralidade, das fotografias encenadas, compostas como tableaux vivants, logo percebemos que sua dramatização fotográfica não contempla a abjeção que tanto singulariza a estética de Jan. Ao contrário, em Sara, o erotismo, acentuado em seu íntimo pela força expressiva do uso de fotos em preto e branco, procura imprimir em sua linguagem animada a sensibilidade feminina em busca de uma simbologia própria, onde o desejo e a maternidade são personagens valiosos. Sara, que também tem escrito alguns romances, destaca, no tocante ao este equilíbrio arriscado que consegue imprimir em sua fotografia, que, na montagem dos cenários, todo prazer é redimido com algum problema ou tristeza, cada problema é substituído por alegria e felicidade. A densidade surrealista de sua obra, em especial no plano de sua criação livre, é intensamente ampliada pelo humor e a graça de uma linguagem que se mostra ser outra, inesperada e reveladora. 


Floriano Martins 



 





 

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ALFREDO MARGARIDO | Surrealismo negro

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ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO & MANUEL SIMÕES | Duas vezes Carlos Loures

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CARLOS M. LUIS | Eros, violencia y surrealismo

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CÉSAR BISSO | Las razones de Roberto Arlt para inventar otra sociedad – Aproximación a su novela Los siete locos

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DARRAN ANDERSON | David Gascoyne, Surrealism and the Vanishing Muse

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FLORIANO MARTINS | Ernest Pepín, Caribe y Surrealismo

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JOSÉ ÁNGEL LEYVA | Armando Romero, movimiento y quietud de la poesía

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KIRILL KOBRIN | Las tentaciones de Pierre Molinier

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GUILLERMO AGUIRRE MARTÍNEZ | La huella de lo sagrado en la poesía de Juan-Eduardo Cirlot

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VALÉRIA METROSKI DE ALVARENGA | A cidade dos mortos: o mundo imaginário do artista polonês Zdzislaw Beksinski

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Sara Saudková


Agulha Revista de Cultura

Número 218 | novembro de 2022

Artista convidada: Sara Saudkovà (República Tcheca, 1967) 

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