Carlos Gimenez era cidadão venezuelano nascido em Rosário, Argentina, no dia 13 de abril de 1946. Morreu prematuramente em Caracas, a 28 de março de 1993, às vésperas de seus 47 anos de idade. Uma vida tão breve para uma carreira tão intensa e renovada, para uma produção tão original e criativa.
Acumulou, em tão curto espaço de tempo, tantos prêmios internacionais, tantos êxitos assim como causou polêmicas, invejas e até a perseguição dos conservadores. Ele encantava e incomodava. Era impossível não contagiar-se com sua figura imperativa e mística, com sua capacidade nervosa (jamais insegura) e quase ditatorial como diretor teatral. Exigia o máximo sempre e os seus atores ficavam maravilhados com a superação de seus próprios limites, vencendo medos, inibições, resistências, inseguranças, conformismos. Ele queria sempre mais e mais, com a certeza de que eram capazes de uma superação constante, em ensaios que não terminavam no dia da estréia mas que continuavam enquanto o espetáculo estava em cartaz.
Com Tu país está feliz não foi diferente. Depois da estréia, Carlos viajou para montar um outro espetáculo no Peru – lá certamente orientou Mário Delgado na montagem exitosa deTu país está feliz em Lima, origem do grupo local Cuatrotablas – e, ao regressar, antes mesmo de transformar aquele agrupamento no célebre Grupo Rajatabla, ele reencenou o espetáculo. Escrevi um novo texto a pedido – “Autobiografía tardía” – que logo transformou numa das cenas fundamentais e de maior impacto na estrutura dramática. Isso mesmo: ele transformou o que seria um recital de canto e poesia num espetáculo dramático envolvente, participativo, eliminando qualquer resquício declamatório e criando um clima de emoção e arrebatamento.
Tínhamos um relacionamento fantástico porque acreditávamos um no outro, sabíamos de nossa complementariedade. Assim aconteceu durante a montagem de meu texto “Jesucristo astronauta, autosacramental sobre lo profano y lo divino”. Ele estava entusiasmado com a realização, identificou-se plenamente com a proposta mesmo sabendo que estaria cutucando adversidades e conservadorismo, em especial de críticos de origem espanhola ligados à Igreja Católica mais tradicional que, naqueles anos, eram muitos e poderosos. Nada disso o abalava, já estava acostumado a montar textos que causavam irritação e espanto como os de Arrabal, com o escândalo de “
Carlos Giménez:
Criador do Festival Internacional de Caracas; promotor do Festival Latino-Americano de Córdoba, Argentina; fundador do Taller Nacional de Teatro; do Centro de Diretores para el Nuevo Teatro, do Comitê Científico de Teoria e Crítica da Universidade de Carlton, em Ottawa (Canadá) e ex-professor da Escola de Teatro do INBA, no México. Trabalhava o tempo todo.
Realizou 60 montagens, dirigiu na Argentina, nos Estados Unidos da América, México, Peru, Espanha, na Rússia, Itália e Venezuela. Seus espetáculos participaram dos mais prestigiados festivais internacionais de teatro do mundo: Nancy, Estocolmo, Rotterdan, Reykjavik, Berlim, Nova Iorque, México, Manizales, Quito, Spoletto. Montou textos de Shakespeare, Calderón de
O crítico E. A. Moreno-Uribe – autor do livro Carlos Gimenez: Tiempo y Espacio – lembra que ele dirigiu, em inglês, para o Niew York Shakespeare Festival. Como podia tanto? Enquanto outros diretores mal conseguiam montar um ou dois espetáculos por ano, Carlos Gimenez produzia dois ou três simultaneamente, em mais de um país! Seria capaz de montar a lista telefônica de Caracas no cenário...
Uma vida entera dedicada a la creación y promoción de las artes escénicas. El teatro fue su modo de vida”, escreveu Moreno-Uribe.
Meu relacionamento com Carlos era a um tempo íntimo e distante. Era melífluo, vivia metido numa áurea que o preservava de um contato mais próximo, aproximava-se e distanciava-se das pessoas com delicadeza, resguardando sua intimida.
A morte de Carlos Giménez foi uma perda irreparável para o Teatro Latino-americano em geral e para o da Venezuela apesar da continuidade de Rajatabla como instituição, tarefa que vem sendo cuidadosamente preservada por seus admiradores e continuadores (dentre os quais o diretor da Fundación Rajatabla Francisco “Paco” Alfaro).
Em recente viagem a Caracas, ao rever uma pintura com sua imagem, confesso que fiquei tão emocionado que cheguei às lágrimas. Como ele faz falta!!! Reli o texto que escreveu dedicado a mim por Carlos quando Rajatabla completou 20 años * e percebi quanto a nossa parceria (Carlos Giménez- Xulio Formoso- Antonio Miranda) foi decisiva em nossas vidas como para outros membros do Grupo, para não falar do legado para as artes cênicas da Venezuela. Como Carlos Giménez faz falta!!! Dizem que ninguém é insubstituível. Pode ser. No caso dele, coloco em discussão este ditado porque sem ele as coisas não são iguais (podem ser melhores ou piores mas nunca como ele faria...) e com ele certamente seria talvez até melhores, acreditando naquela sua capacidade de trabalho, de renovação, na sua infinita criatividade.
Termino com as palavras de seu legado ideológico que devemos levar muito a sério...
“El paso del hombre por el arte debe ser su paso por vida. Una vez declaré que el teatro es la crisis, porque el arte es la crisis. El arte nace de la crisis. Es un estado de compulsión interior. Es un acto de felicidad, pero lo es en un clima de angustia. Cuando se culmina viene el vacío. (Carlos Giménez) .
Texto publicado no livro de Moreno-Uribe e como matéria no diário El Nacional, 28 febrero 1991, dia do vigésimo aniversário de Rajatabla, neste caso com o título “Miranda, tu país sigue feliz”.
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