Canción
en italiano grabada en vivo (Viena, junio 1967) , incluida en el disco
JOAN BAEZ IN ITALY, grabado en vivo en mayo de 1967 en el Teatro Lírico
de Milán, en agradecimiento de Joan Baez a sus amig@s de Italia.
ERA UN MUCHACHO QUE COMO YO AMABA A LOS BEATLES Y A LOS ROLLING STONES
Gal Costa e Caetano Veloso retomam em 2011 uma das
parcerias mais
duradouras, intensas e prolíficas da música brasileira –
uma
história de amor nascida nos anos 60 e que gera frutos até hoje
Sentados
lado a lado, cada um em uma ponta de um sofá bege de listras marrons no camarim
de um estúdio fotográfico em Salvador (BA), Caetano Veloso, 68, e Gal Costa,
65, têm 50 anos de história para lembrar. Caetano senta-se reto, atento; Gal
está à vontade, com as costas fundas no sofá. Passeando entre os muitos pontos
de intersecção em duas carreiras sempre próximas e distantes, falam
dirigindo-se tão frequentemente um ao outro quanto a mim, sentado em uma
cadeira de frente para os dois. Enquanto reconstroem memórias em par, completam
as frases mútuas com intimidade além daquela de namorados ou irmãos, mas de
amizades que se orbitam, não importa quantas vezes o planeta gire. Se amizade é
identificação, confiança, comunhão de raízes, empatia ilimitada, amigos são
mais do que a família que escolhemos, são aqueles que continuam nos conhecendo
quando mudamos.
Alguém
entra na sala, traz água de coco para Gal e sai. Caetano cruza as pernas
embaixo de si, no sofá. Estamos aqui por uma ocasião especial: Caetano, vindo
de uma fase especialmente carregada de frescor, depois dos discos Cê e Zii e
Zie (e um ao vivo com Maria Gadú, vá lá), se viu tomado por inspiração para
desencadear um processo semelhante com Gal, compondo todo um disco para ela e
direcionando as gravações (se nada mudar, o álbum, previsto para setembro,
deverá se chamar Doce). A última vez que ela entrou em estúdio para fazer um
álbum foi em 2005 - Hoje, lançado pela gravadora Trama. O novo disco terá o
apoio da gravadora Universal, que também lança os discos de Caetano e
recentemente compilou os LPs de Gal gravados entre 1967 e 1983 em uma caixa com
16 CDs.
Gal
e Caetano estão apreensivos, em pleno processo de finalização do álbum: faltam
poucos dias para terminarem de registrar as vozes definitivas no estúdio de
Carlinhos Brown, no Candeal. As bases já foram gravadas no Rio com a ajuda de
Moreno Veloso - filho de Caetano e afilhado de Gal - e com participações de
jovens músicos cariocas. Assim que o último rec virar stop, os arquivos de
áudio ganharão mixagem, masterização, título e capa. Hoje, sábado nublado de
junho, estamos na Bahia para falar do passado no presente - Bahia que já
existia em mim através das músicas e agora se materializa no momento vivido e
no cenário de lembranças do compositor e da cantora.
"O
Caetano para mim é muito importante por tudo que a gente viveu e
conviveu", Gal começa. "Por tudo que ele compôs, tantas músicas que
ele fez para mim, direcionadas a mim, falando para mim. Eu adoro as canções de
Caetano. Ele é o compositor que melhor escreve para mim, para a minha voz, para
mim mesmo. A gente tem uma identificação musical. Neste momento, Caetano fazer
este trabalho comigo é maravilhoso. É muito importante historicamente e
emocionalmente."
Caetano,
propulsor da ideia há um ano e meio, quando pela primeira vez contou a Gal do
novo projeto, explica que a vontade deste álbum nasceu de pensar na história da
presença de ambos na música e na história da própria música brasileira.
"Gal tem uma qualidade de emissão vocal muito especial e um papel
histórico muito importante, e as duas coisas estavam relativamente
subvalorizadas nos últimos tempos", reflete. "Tenho necessidade de
ter uma visão histórica mais equilibrada, e isso me pareceu como uma
necessidade para mim mesmo e tenho certeza que para os outros também. Então
fiquei com desejo de fazer o repertório e produzir um disco todo para Gal. Me
interesso muito por fazer este disco agora, para reequilibrar a visão
histórica."
Gal,
entretanto, deixa claro que em nenhum momento a ideia foi homenagear o que
houve, mas sim o que ainda há para haver. "Não vai ter nada a ver com
nenhum disco que eu já fiz na vida, nem com nenhum disco que ele já fez na
vida", explica. "Vai ser uma coisa nova, repertório novo, tudo novo,
mas é claro que tem a ver com passado porque a nossa história está impregnada
na gente."
Maria
da graça, então com 17 para 18 anos, era uma jovem devota de João Gilberto com
um desejo irredutível: iria ser cantora. Naquela adolescência em Salvador, a
coisa mais importante que poderia lhe acontecer era conhecer pessoas com quem
dividir os sonhos e planos. "O Caetano foi o primeiro cara que me ouviu
cantar", ela lembra. "Foi a primeira pessoa, na verdade, que gostou
de mim, do meu canto, se identificou com isso. Eu ainda muito nova, querendo
ser cantora, e ele gostou logo do meu jeito de cantar, me passou uma música
dele, que depois gravei. Começou daí, ele foi o primeiro compositor que
conheci. Foi o primeiro gás para mim, a primeira força, como um aval."
Caetano, também totalmente "joãogilbertiano", então com 20 anos e
mais pretensões de compositor do que cantor, lembra os detalhes: "A Gal
conheci em 1963, em Salvador, por sugestão de Laís Salgado, amiga minha,
professora de dança", remonta. "Ela me disse que uma aluna tinha uma
vizinha que cantava lindamente, parecido com as coisas de que eu gostava. Então
ela marcou um encontro na Escola de Dança e me apresentou a Dedé, sua aluna -
com quem terminei me casando -, e Dedé me levou a Gal, que conheci e achei que
cantava realmente divinamente. Ela era novinha e era tímida assim, retraída.
Achei que ela cantava magnificamente bem e falei para ela: 'Você é a maior
cantora do Brasil'."
Afinidades
expostas, não demorou para virarem uma turma e, pouco depois, em 22 de agosto
de 1964, ao lado do também novo amigo de ambos Gilberto Gil, da irmã de
Caetano, Maria Bethânia, e mais outros quatro jovens músicos baianos,
realizarem no Teatro Vila Velha o espetáculo coletivo Nós, Por Exemplo - os
primeiros ensaios artísticos de todos juntos em um "show de bossa
nova", como dizia o programa. Ainda demoraria mais um par de anos para a
turma desabrochar e tornar-se conhecida nacionalmente, mas já no ano seguinte
Maria da Graça gravaria seu primeiro compacto, pela gravadora RCA, cantando no
lado A "Eu Vim da Bahia", de Gil, e no B a tal primeira música
ensinada a ela pelo autor Caetano, "Sim, Foi Você".
Dori
Caymmi, filho carioca do ícone musical maior da Bahia, foi quem produziu, em
1967, o primeiro álbum de Gal e Caetano, que debutavam juntos no mundo do long
playing. Gravado no Rio, Domingo é um disco suave e doce, de bossa tardia e com
leve gosto de Bahia, encantador até hoje. A maioria das canções não passa dos
dois minutos e ainda assim seguem todas tranquilas, tomando o seu tempo,
pairando no ar e invadindo os espíritos sensíveis, como logo na faixa de
abertura, o dueto "Coração Vagabundo". Gal, cantando
"Avarandado", não deixa dúvidas da enorme e charmosa timidez que
sentia e nem da perfeição das delicadas composições iniciais de Caetano para
sua voz cristalina.
Desde
aquele primeiro momento, as personalidades e musicalidades se enriqueciam
mutuamente, completavam-se. Na contracapa de Domingo, Caetano escrevia:
"Gal participa dessa qualidade misteriosa que habita os raros grandes
cantores de samba: a capacidade de inovar, de violentar o gosto contemporâneo,
lançando o samba para o futuro, com a espontaneidade de quem relembra velhas
musiquinhas. [...] Desde a Bahia que nós cantamos juntos, desde lá que ela faz
com que meus sambas existam de verdade. Não há defasagem de tempo entre a
composição e o canto: cada interpretação sua tem a mesma idade da canção. Todas
as minhas músicas que aparecem aqui foram feitas junto dela e um pouco por ela
também. Ouso considerá-la como parte integrante do meu processo de criação:
este é um disco de 'Gal interpretando Caetano' mesmo nas faixas em que ela
canta músicas de outros autores ou quando sou eu mesmo quem canta as minhas.
Gal cantando o que quer que ela goste, isso já é minha música, e quando eu
canto ela está presente".
Gau
era o apelido íntimo, a maioria a chamava de Gracinha. Maria da Graça era o que
aparecia na certidão de nascimento e nome artístico, mas o empresário Guilherme
Araújo, então cuidando de todo o grupo baiano, não via ali nome de uma artista
moderna. Pensando na cantora francesa de yé-yé France Gall, pegou o apelido de
Gracinha e trocou o u por l para deixar mais universal: Gal. "O Guilherme
Araújo dizia que a Gal tinha todos os elementos para ser uma figura do iê-iê-iê
mais moderna, de uma maneira sofisticada", lembra Caetano, sobre as ideias
do empresário. "Como se ela fosse uma SuperWanderléa."
"É,
Guilherme me falava isso", Gal concorda. "Dizia que eu tinha que
fazer uma coisa mais de iê-iê-iê." Caetano nota: "Era interessante
porque ele estava falando isso sem saber que eu estava com minhocas na cabeça
para algo que no fundo era parecido com aquilo. As transformações que a gente
achava necessárias acontecerem na música popular brasileira, o que veio dar no
Tropicalismo. Aquela expressão aparentemente superficial tinha uma intuição
profunda". Em vários aspectos, pode-se argumentar que o primeiro LP solo
de Gal, gravado em 1968 e lançado no começo de 1969, é o primeiro disco pop
brasileiro. Ao lado dos primeiros álbuns dos Mutantes, é provavelmente o ápice
do tropicalismo como proposta prática, com uma perfeição que não há em qualquer
outro disco do movimento - seja coletivo, seja de Caetano ou seja de Gil.
Carregado de signos direcionados ao imaginário pop, com uma aura de vanguarda
casual, o álbum é uma obra plenamente bem definida, pessoal e universal - em
cada música e na fluência com que se apresenta, do começo ao fim. Desde a capa,
com foto em close no rosto perfeito de Gal, olhar perdido em algo à sua direita
e à nossa esquerda, envolvida em um boá de plumas brancas e em seus próprios
cabelos escuros e cacheados.
"Era uma forma de reclamar, de ir contra aquele momento difícil,
aquele regime
da ditadura, os amigos desaparecidos. "
Gal Costa
Gal, Caetano y Bethania
Todo
levado pelos arranjos expressivamente originais de Rogério Duprat, Gil e Lanny
Gordin, o disco abre com ruídos e o iê-iê-iê romântico e esperto "Não
Identificado", de Caetano, e logo segue com o coco "Sebastiana",
de Jackson do Pandeiro, reinventado por guitarras e sarro. Metais com surdina e
cordas sustentam o clima de "Lost in the Paradise", um Caetano em
inglês, e na sequência a voz de Gil e a guitarra ultrafuzz de Lanny anunciam o
groove de "Namorinho de Portão", de Tom Zé, com Gil assobiando ou
fazendo contracanto por toda a faixa. A bossa antropofágica
"Saudosismo", de Caetano, começa com os primeiros versos de
"Fotografia", de Tom Jobim, cita "A Felicidade", "Lobo
Bobo", "Chega de Saudade" e fala de "João girando na
vitrola sem parar". De seu começo suave ao fim apoteótico de noises (mais
Lanny), uma homenagem e, ao mesmo tempo, carta de intenções de novas propostas
sobre velhos pilares: nova bossa velha, velha bossa nova. "Se Você
Pensa", canção então novíssima de Roberto (e Erasmo) Carlos, ainda mais na
pegada do que já era o original, tem ataque de sopros, guitarras nervosas e
virada de bateria. Abrindo o lado B, outra de Erasmo/Roberto, inédita especial
para a ocasião, na mesma inspiração de libertação, "Vou Recomeçar".
"Divino, Maravilhoso", parceria de Caetano e Gil feita especialmente
para Gal representar o tropicalismo em Festival da Record, é outra canção
exalando vontade de vida: "É preciso estar atento e forte, não temos tempo
de temer a morte".
Caetano
canta com Gal a pérola de Jorge Ben "Que Pena (Ele Já Não Gosta Mais de
Mim)", um dos hits do disco. A faixa seguinte é outra com presença de
Caetano, cantando e na composição, a canção mais famosa do disco e, talvez, de
toda a carreira de Gal: "Baby", sucesso do então recente LP-manifesto
da Tropicália (presente aqui na mesma gravação). Começo com baixo, percussão e
violão, arranjo de cordas em cascata, Caetano ao fundo contracantando
"please stay by me, Diana" e a voz cristalina de Gal cantando sobre a
piscina, a margarina, a Carolina, a gasolina, o sorvete, aquela canção do
Roberto, leia na minha camisa, o refrão em inglês. Praticamente
um manual hipster da época. A fanfarra "feelgood" de Gil (com letra
de Torquato Neto) "A Coisa Mais Linda que Existe" (spoiler: ter você
perto de mim) fala de sair por aí, do jornal, do apartamento, da cidade, da
praça, da noite na noite escura, da sorte que o vento espalha. Terminando no
pique alegre, outra de Jorge Ben, "Deus É o Amor", com balanço de
violão, bateria e flauta inspiradas, refrão para cima e voz apaixonantemente
doce.
"A
Tropicália fazia muito parte do momento em que foi lançada", observa Gal.
"Era o momento hippie, tinha os Beatles, Janis Joplin - fazia parte dessa
linguagem. Ela foi importante em termos estéticos, agregou novos instrumentos,
uma nova linguagem. E resgatou coisas maravilhosas, artistas como Luiz Gonzaga,
Jackson do Pandeiro - que eram geniais, mas não eram considerados no sul do
país como grandes nomes da música brasileira mais sofisticada. A importância da
Tropicália foi nesse aspecto estético e comportamental, fazia parte de um
momento mesmo."
Dividindo
o momento, é claro, a figura-mestre na instauração do movimento e amigo mais
próximo: no saldo final do álbum solo de estreia, cinco canções de Caetano -
uma a mais do que Gal havia cantado em Domingo. "Todo o movimento
tropicalista teve uma colaboração e uma participação intensa e muito expressiva
de Gal", descreve Caetano. "O disco que ela gravou no período
tropicalista. A apresentação de 'Divino Maravilhoso' - que é inesquecível, que
qualquer um pode ver no YouTube. Aquilo era o avesso da bossa nova, como todo o
tropicalismo era, mas que a Gal justamente era capaz de realizar com uma
plenitude total."
Na
prática, o tropicalismo durou menos de dois anos, apesar da ampla longevidade
de sua influência: no dia 27 de dezembro de 1968, Caetano Veloso e Gilberto Gil
foram presos pelo governo militar, passaram dois meses em solitárias celas de
um quartel, quatro outros sem poder sair de Salvador e, finalmente, foram
convidados a sair do país. Em julho de 1969, partiram. Em Londres, onde
fixariam residência pelos três anos seguintes, ampliaram o contato com o pop
internacional e produziram grandes obras, mas ao longo de um período
particularmente triste. Por aqui, de repente sem os parceiros mais íntimos, Gal
se viu com todo um movimento sobre seus ombros. "Eles foram exilados e eu
fiquei aqui defendendo as canções que compunham em Londres", lembrou Gal em
nosso primeira conversa, certa tarde em um hotel em São Paulo, meses antes
do reencontro em Salvador. "Tem um disco que eu me lembro que era
esteticamente agressivo, eu quase não cantava, eu berrava", ela conta,
sobre Gal (1969). "Aquele disco que tem uma pintura na capa é o verdadeiro
disco radical, intocável no rádio, totalmente experimental. Eu grito, uso sons
estranhos com a voz. Mas era uma coisa pensada, racionalizada, feita a sério,
não era loucura. Nunca fui chegada a droga, aquilo não era porque eu estava doidona.
Era uma forma de reclamar, de ir contra aquele momento difícil, aquele regime
da ditadura, os amigos desaparecidos. Era um comportamento proporcional, como
se eu estivesse gritando socorro, berrando, reclamando. Fiz porque era
necessário fazer, uma forma de gritar contra tudo que acontecia naquele
momento."
"Você
precisa saber que Gal Costa é um dos acontecimentos mais importantes da música
brasileira de hoje", escreveu Caetano Veloso no release de Gal, o segundo
LP solo da cantora. "Na Bahia havia a Graça e uma sala profunda,
enraizada, recôncava de cachoeiras mortas, uma voz guardada apenas ali,
absoluta. Gal nunca teve medo. Eu não tenho medo de saber que é difícil para o
artista assumir sua própria grandeza", seguia. No mesmo texto, ainda dizia:
"Não acredito que alguém ainda tenha medo de guitarras elétricas.
WOW!"
"Meu nome é
Gal..."
Gal, Caetano y Bethania
Entre
guitarras elétricas e gritos, cercada de Duprat, Lanny e Jards Macalé, Gal
protesta cantando dois novos Caetanos, três novos Gils, dois Jorges Bens, uma
de Macalé e novo auge pop em uma nova composição especial de Roberto e Erasmo,
"Meu Nome É Gal". Em trecho declamado, ela assina: "Meu nome é
Gal, tenho 24 anos. Nasci na Barra Avenida, Bahia. Todo dia eu sonho alguém pra
mim. Acredito em Deus, gosto de baile, cinema. Admiro Caetano, Gil, Roberto,
Erasmo, Macalé, Paulinho da Viola, Lanny, Rogério Sganzerla, Jorge Ben, Rogério
Duprat, Waly, Dircinho, Nando e o pessoal da pesada. E, se um dia eu tiver
alguém com bastante amor pra me dar, não precisa sobrenome, pois é o amor que
faz o homem."
"O
chato é que a gente não pode falar mal de ninguém com esses microfones",
sussurra João Gilberto, para risos de Caetano e Gal. Os três estão em um
estúdio no prédio da TV Tupi, onde hoje fica a MTV, em São Paulo, entre
microfones, almofadas, garrafas de Coca-Cola e até uma mesa de pingue-pongue.
Caetano veio especialmente de Londres para gravar o especial de TV que reúne os
três e iria ao ar em agosto de 1971. Os dois fãs já tinham tido oportunidade de
conhecer João na Bahia havia alguns anos, mas aqui estavam convocados pelo
ídolo máximo para uma troca direta e pública: mais que reconhecimento
profissional, marco pessoal. Para quebrar o gelo, de saída, cantam juntos por
15 minutos "Saudade da Bahia", de Dorival Caymmi, e falam sobre a terra
natal. "Tive uma ideia genial, posso dar?", pergunta, de repente,
Gal. "Pode, eu não tenho ideia nenhuma", responde Caetano, tímido.
"De a gente - nós três - cantar 'Coração Vagabundo'", sugere ela.
"Espetacular", anima-se o pai da bossa nova. "Mas eu tenho que aprender
a harmonia." Caetano se emociona: "Não faça isso...", suspira.
"Caetano sabe", encoraja Gal. "Caetano sabe? Então me
mostra." Diante de João, Caetano hesita - "Tocar violão com você eu
sempre acho um absurdo" -, mas cede. "Eu toco como eu fiz a música,
faço assim", Caetano diz, antes de respirar fundo e começar: "Meu
coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer..."
O
simbolismo emocional daquele momento é enorme: desde a primeira conversa que
tiveram, naquele dia em Salvador, em 1963, o mais forte elo entre Caetano
Veloso e Gal Costa fora João Gilberto. "A gente sabia tudo dos três
primeiros discos dele, conhecia todas as canções, sabia em que ordem
vinha", detalha hoje Caetano. "Tudo, sabia os arranjos, a respiração
de João", emenda Gal. "Eu ouvia e aquilo me arrepiava inteira."
Não
era à toa que, três meses depois do encontro na Tupi, Gal iniciava seu novo
show, Fatal - A Todo Vapor, só, com o violão. "Na época do Fatal, eu
estava com João quase diariamente", ela recorda. "Ele morava numa rua
paralela à que eu morava e a gente todo dia se encontrava, fazia música e
cantava, ele cantava, eu cantava." No repertório da abertura acústica do
show aparecia "Falsa Baiana", antigo samba de Geraldo Pereira (um dos
compositores favoritos de João, sendo que ele mesmo gravaria a faixa depois).
Gal lembra que João chegou a aparecer em uma apresentação ("Ele foi ver
escondidinho num canto, assistiu lá atrás, ninguém viu e ele saiu antes de
acabar") e é delicioso imaginar o marco histórico do mestre do silêncio
João Gilberto assistindo ao ponto máximo da distorção na música brasileira na
guitarra de Lanny Gordin - que fazia os arranjos e tocava com seu trio na
segunda parte do show, indo ainda além das experimentações em disco. Apresentado
no Teatro Tereza Rachel, no Rio, injeção na veia do zeitgeist, marco da geração
do desbunde, A Todo Vapor foi uma revolução para Gal.
Menos
de dois anos depois, com os amigos de volta ao Brasil, Gal Costa lançou o
revolucionário Índia. A capa é um close das partes baixas dela (cobertas por um
biquíni mínimo); a contracapa, exuberantemente, revela seus seios sob uma
fantasia de índia - a timidez dava lugar à diva hippie. Da mesma forma que Água
Viva, alguns anos depois, aquela era uma tremenda novidade, uma ampliação do
foco, pela primeira vez com interpretações de canções de
"emepebistas" como Chico Buarque, Ivan Lins, Gonzaguinha e Milton
Nascimento (e ainda Caetano, claro). Discos que vieram depois, como Gal Tropical
e Fantasia, já no fim dos anos 70, começo dos 80, traziam hits extremos como
"Balancê" e "Festa do Interior" e corriam o risco de ver
Gal acusada de careta, mas o álbum Baby Gal foi uma revolução, uma guinada pop.
Resumindo: Gal Costa passou por muitas reinvenções.
"O
mundo muda e a gente muda também com o mundo, senão fica estagnado", ela
avalia. "Nós somos máquinas de mudança, sempre vendo coisas que fazem
transformar. Você ficar igual o resto da vida é horrível. O barato é você
mudar, se gostar. Tem coisas de que eu não gostava na década de 70 e hoje
gosto. Tem coisas de que eu gostava e hoje detesto. É assim: a vida é uma
eterna transformação. Esse é o barato da vida, de viver. E isso é fundamental,
pra vida e pra arte. Quando o trabalho de um artista é verdadeiro, ele fica pra
sempre. E isso vai se revelando através de sua alma, de seu caráter, do seu jeito.
O trabalho de um artista é um espelho da alma dele."
De
"Baby" a "Tieta", Gal cantou mais Caetano Veloso do que
qualquer outro compositor. Em todos os seus discos, sem considerar os tributos
temáticos, há ao menos uma canção dele. De Caetano, Gal já cantou frevos,
bossas, sambas, canções, marchas, baiões, rocks; cantou sobre amor, saudade,
tristeza, contemplação. Períodos especiais de luz em sua discografia surgem com
participação de Caetano, como no único álbum de Gal que produziu, o delicado
Cantar, em 1974, com o piano de João Donato. Ou nas canções feitas para ela e
sobre ela, como "Minha Voz, Minha Vida", "Vaca Profana" e
"Da Maior Importância". "Eu e Gal sempre brochamos todas as
vezes que tentamos brincar de namorar", escreveu Caetano, entre
reminiscências. "No início de nossa carreira, dividíamos a cama de casal
de Guilherme Araújo em
Sampa. Todas as noites eu tentava seduzi-la com um disco de
Bob Dylan e papo-furado. Ela sempre resistiu e terminávamos as noites às
gargalhadas." Tais lembranças constam do texto que acompanhou o ensaio nu
de Gal para a revista Status, em 1985. Todo mundo viu o que todos sentiam:
tamanha empatia, identificação, admiração não viria sem boa dose de paixão,
ainda que cinquentenariamente platônica.
O
que Gal e Caetano sempre lembram quando pensam no primeiro disco que gravaram
juntos, há 45 anos, Domingo, é quão cedo tinham que acordar: antes das 7.
Estreantes tímidos, sobravam com os horários indesejados pelas estrelas da
gravadora, que gravavam pelas tardes e noites. Uma tortura para os dois jovens
baianos acostumados a não levantar cedo. "Eu costumava dormir muito tarde
e acordava à uma da tarde", lembra Gal. "Eu sou assim ainda",
emenda Caetano, rindo. Na atual temporada no estúdio de Carlinhos Brown, as
vozes de Gal são gravadas das 4 da tarde às 10 da noite. Hoje, Gal tem um
filho, Gabriel, 5 anos, que adotou há quatro - daí os horários mais
tradicionais de ultimamente.
Depois
de quatro anos em São Paulo
e mais de 20 no Rio, há 12
Gal está de volta à Bahia, morando em um apartamento com
vista para a Baía de Todos os Santos. Quem também mora em Salvador é seu
afilhado, Moreno, filho de Caetano e que também ajuda no disco novo. Produtor
dos dois últimos álbuns do pai ao lado da Banda Cê, formada por amigos de sua
geração, Moreno explica que Caetano chegou até ele com quase todas as ideias
prontas para o disco de Gal. "Ele pediu a minha ajuda pra executar o que
estava na cabeça dele, para que os caminhos fossem encontrados", lembra.
"O pacto é escolher as pessoas e mostrar o tipo de sonoridade que está
sendo buscada, a partir daí cada contribuição é importante e desejada. Kassin
participou, é um dos músicos importantes. E também o Rabotnik, que é uma banda
experimental que a gente admira. Meu pai teve essa ideia de chamá-los, acho que
foi num show deles. Nas faixas em que tocaram, eles fizeram toda a base e a
minha madrinha só cantou em cima."
Uma
das poucas canções não inéditas do disco novo é "Madre Deus", escrita
por Caetano e gravada por José Miguel Wisnik para a trilha do espetáculo
Onqotô, do Grupo Corpo, em 2005. "A letra fala de uma experiência
minha", conta Caetano, inclinando-se para a frente no sofá bege, falando
para mim e ao mesmo tempo para Gal, "de quando era adolescente me deitar à
noite no ancoradouro de Madre Deus - que é uma ilha aqui na Baía de Todos os
Santos - e ficar vendo o céu todo estrelado. Eu sentia que ia me desprender da
terra, sentia mesmo, uma sensação bem forte, e fiz a música por causa disso. Eu
nem me lembrava dela, mas o Zé Miguel, sabendo que eu estava fazendo disco para
a Gal, me disse: 'Você devia botar 'Madre Deus', porque eu tive uma conversa
com Gal faz pouco tempo em que ela me descreveu que ela própria teve
experiência exatamente igual a essa sua'. Não no ancoradouro de Madre Deus, no
chão de um pátio, mas de olhar para um céu estrelado e sentir essa mesma
vertigem."
Se
o trabalho de um artista verdadeiro é para sempre, as estrelas são passado. Mas
a sensibilidade e as conexões não sofrem defasagem de tempo. Estamos todos sob
as estrelas do céu da Bahia.
In you the world sees the power of nonviolence. We hear it in the roar
of your silence and see it in your eyes
as you sit down peacefully in the face of terror. We are moved by your courage
and inspired by your sacrifices.
I am fortunate to be alive to witness this movement. I send you my prayers, love, and support.
En
ustedes el mundo ve el poder de la no-violencia. Nosotr@s la escuchamos en el
rugido de vuestro silencio y la vemos en sus ojos pacíficos enfrentados al
terror. Nosotr@s estamos conmovid@s por su coraje y estamos inspirad@s por sus
sacrificios.
Yo tengo la suerte
de estar viva para presenciar este movimiento. Les envío mis oraciones, mi
amor y mi apoyo.
JOAN BAEZ
Junio 2009
We shall overcome
(G. Carawan, Hamilton, Z. Horton, P. Seeger)
We shall overcome,
We shall overcome,
We shall overcome, some day.
Oh, deep in my heart,
I do believe
We shall overcome, some day.
We'll walk hand in hand,
We'll walk hand in hand,
We'll walk hand in hand, some day.
Oh, deep in my heart,
We shall live in peace,
We shall live in peace,
We shall live in peace, some day.
Oh, deep in my heart,
We shall all be free,
We shall all be free,
We shall all be free, some day.
Oh, deep in my heart,
We are not afraid,
We are not afraid,
We are not afraid, TODAY
Oh, deep in my heart,
We shall overcome,
We shall overcome,
We shall overcome, some day.
Oh, deep in my heart,
I do believe
We shall overcome, some day
En una entrevista exclusiva
con Clarín, la autora habla de su vida en el stalinismo, que la marcó.
“…escribir tiene mucho más
que ver con callarse que con hablar.”
Es
una mujer pequeña, muy blanca, de pelo negro, ojos azules, ropa negra. Y el
pulso que le tiembla un poco. Herta Müller dice que preferiría que nadie la
conociera, que el Nobel le sirvió, claro, para no tener problemas económicos de
ninguna índole, pero que no soporta estar en público. Sin embargo siente que
tiene algo para decir, entonces viene – acá está, en la Feria Internacional
del Libro de Guadalajara – y lo dice. “La censura no sólo se da en el arte.
Durante la dictadura comunista de Ceausescu, la comida estaba censurada: no
teníamos acceso ni a la canasta básica. Lo mismo pasaba con las medicinas,
hasta con la aspirina y el algodón. Estaban censurados”.
Dice,
también, que los poemas a veces son “la
única plegaria posible para la gente que no cree en Dios”, que ella se los
recitaba a sí misma durante los interrogatorios a los que los sometió la
policía secreta de Rumania. No le gusta, pero va y viene y habla en público y se
la interpela como a una especie de cruzada antitotalitaria y ella contesta así.
Nació
en Rumania en 1953, en una minoría germano parlante, y ahí vivió hasta 1987,
cuando logró emigrar a Alemania occidental, luego de padecer interrogatorios de
la policía secreta y, sí, censura. Su padre había sido oficial del ejército
nazi. Su madre estuvo deportada cinco años en un campo de trabajo, como buena
parte de la población germanoparlante. Aunque el país había sido aliado de los
nazis, los rusos decidieron “reeducar” solo a la minoría que hablaba alemán.
Incluyendo a algún que otro judío, cuenta Müller, y habla en serio. Hambre,
nieve, cemento, carbón, hambre, piojos, frío, muerte y hambre: eso padeció la
madre de Müller junto a sus compañeros en ese campo. Y de eso, de esos campos
de trabajo, se trata de Todo lo que tengo lo llevo conmigo, la última novela de
la Nobel, que
llegó a Guadalajara encabezando la delegación de Alemania, invitada de honor de
esta edición de la Feria.
Habla
cansada, tiene los ojos rojos, el pulso no muy seguro. Y uno le cree todo lo
que dice. Parece una mujer atravesada por el dolor. De verdad.
-Cuesta imaginar cuánto silencio hubo
en su infancia, teniendo en cuenta el pasado de sus padres.
-Yo tenía dos padres destrozados. Mi padre era alcohólico y mi madre estaba
rota por su experiencia en el campo de trabajo. Yo estuve muy sola, no tengo
hermanos y además trabajaba muchísimo. En la generación de mis padres, todos
habían estado en la SS
o en el ejército nazi. Y casi todos los que no habían estado en la guerra
habían estado en el campo de trabajo como mi madre y todo eso parecía algo
normal. Yo no entendí de qué se trataba el nacional socialismo hasta que tuve
15 años y fui a estudiar a la ciudad. En ese momento también empezaron las luchas,
los conflictos con mi padre.
-¿Para usted la literatura fue una
forma de liberarse de ese silencio?
-Yo aprendí que escribir tiene mucho más que ver con callarse que con hablar.
Sin embargo, fue una liberación cuando empecé a escribir porque por primera vez
hubo palabras para expresar lo que sentía. Yo vivía en el campo y realmente los
campesinos no suelen hablar mucho, son muy callados y, además, no usan términos
abstractos, hablan sólo de cosas concretas y nunca de sí mismos. De hecho, se
considera que uno no debe de hablar de sí, es algo que no se hace y en la
literatura fue realmente la primera vez que pude hablar de mí. Pero insisto, no
sé si fue una liberación porque los contenidos eran muy difíciles, yo vivía
dentro de una dictadura cuando empecé a leer. Y no leía para liberarme sino más
bien para ver cómo vivir, en muchos momentos he pensado que realmente no sabía
vivir. De niña, por ejemplo, muchas veces me tocaba cuidar de las vacas en el
valle y era un valle verde, pero yo estaba sola con las vacas. Estaba ahí
solita, desesperada, y muchas veces sentí envidia de las plantas: las plantas
sí sabían vivir y yo no.
-Usted cuenta, como experiencia
traumática, su trabajo en una fábrica de la dictadura. ¿Le sirvió para imaginar
el campo de trabajo?
-La fábrica era puro escombros, vieja, descuidada y yo veía que en las salas de
producción los obreros tenían que hacer un trabajo durísimo. Yo no estaba en
una situación tan tremenda. Muchos se tenían que levantar a las 3 de la mañana,
trabajaban hasta las 5 de la tarde, volvían a sus casas, comían algo, dormían y
al día siguiente lo mismo. Y las condiciones de trabajo eran pésimas, hacía
muchísimo frío, las ventanas estaban rotas y la gente tenía que beber desde muy
temprano para no congelarse. Además, cuando uno llegaba lo primero que
escuchaba eran canciones socialistas en plan de “qué suerte que tenemos de
poder trabajar”. Los lemas socialistas, el progreso del que se hablaba en los
eslóganes, eran una locura, contrastaban con todo lo que estábamos viviendo.
Luego llegó el momento en que el servicio secreto me pidió que cooperara con
ellos, me negué y ahí empezaron los grandes problemas para mí. Me interrogaban
a cada rato. Me despidieron de la fábrica, me persiguieron. Pero no sé si todo
esto fue tan determinante para que yo imaginara la vida en el campo.
-¿Lo que más la influyó fue su relación
con el poeta Oskar Pastior, que estuvo deportado allí?
-Sí. Todo lo que él me contó. Además, fuimos a Ucrania, donde había estado el
campo de trabajo. Vimos lo que quedaba de la torre de refrigeración, de los
tubos, de la zonas que se habían usado como burdel…
-En este libro lo que predomina es la
materia: el carbón, la arena, el cemento, el cuerpo atormentado, ¿cómo pensó
esa poética?
-Oskar Pastior me contó todos los detalles. Por ejemplo, la arena, sus
características, su color, o el carbón, cuál era la clase que él prefería
porque era más fácil de trabajar, todo eso ya es poético en sí. Yo creo que la
poesía está en los detalles, en la exactitud para contar las cosas. Esas
descripciones fueron mi única posibilidad de descubrir cómo uno llega a sus
límites, cómo uno trabaja mucho más, rinde mucho más de lo que puede si lo
obligan y cómo el hambre, el hambre desesperante lo controla todo, cómo se llega
al delirio sobre la comida y cómo uno se ve atormentado por fantasías por el
mismo hambre horrible que sufre. Todo esto me lo contó Pastior y sobre esa base
pude inventar lo demás. También tenía el ejemplo de mi madre, que durante toda
su vida tuvo una relación tremenda con la comida por su experiencia en el campo
de trabajo. Ella no hablaba porque no podía, aunque finalmente el silencio
también cuenta algo. Mi madre tenía la costumbre de peinarme y a la vez siempre
me contaba cómo era eso de raparse y yo me quería cortar las trenzas para que
ya no me estuviera hablando de eso. Pero no me dejó. Tal vez le gustaba
peinarme.
-Usted habla mucho del uso del lenguaje
que hacen las dictaduras. ¿Cree que la literatura sirve para luchar contra eso?
-No sé. Me parece eso sólo puede lograrlo la gente. La literatura que se puede
tomar en serio no trabaja con lenguaje ideológico. El así llamado realismo
socialista no era realismo, era una gran mentira socialista. Esos libros tenían
que reflejar lo que la dictadura quería. Sólo las sociedades pueden limpiar ese
veneno de la lengua. En mi caso, cuando escribo no pienso en el lenguaje, mi
meta no es escribir literatura, quiero contar lo que está pasando en este mundo
horrible. Para eso necesito un lenguaje, claro, y lo uso y lo invento.
La escritora habló sobre su
exilio en Alemania y sobre los significados de su oficio.
Señala que estar bajo los
reflectores no es su actividad preferida-
La escritora rumana ofreció
un conmovedor testimonio sobre los horrores que sufrió durante la dictadura de
Nicolae Ceausescu
GUADALAJARA,
JALISO (29/NOV/2011).- La premio Nobel de literatura Herta Müller continua sus
actividades en la FIL,
a pesar de que, como ya ha expresado en más de alguna ocasión en esta feria,
estar bajo los reflectores no es su actividad preferida. El día de hoy su
interlocutora fue la periodista Sabina Berman, quien guió la conversación para
que la escritora hablara principalmente sobre los horrores que tuvo que
atravesar durante la dictadura de Nicolae Ceausescu en Rumania, sobre su exilio
en Alemania y sobre los significados de su oficio.
“Yo no escribo literatura, cuando escribo quiero saber cómo funciona la vida y
sólo puedo escribir sobre lo que está alrededor mío, sobre lo que veo y lo que
vivo (…). Yo siempre empiezo a escribir cuando ya no puedo seguir adelante, y
escribir es lo único que me permite volver a soportar la realidad y las cosas
(…)
“A mí me veían como enemiga en todos lados. Mi propia minoría y el estado, los
dos me odiaban ¿sobre qué más podía escribir? (…) aunque claro que también se
ama en las dictaduras, se ama mucho, porque tal vez lo erótico sea lo único
privado que uno tiene.
“Yo pertenecía a un grupo de escritores, todos
estudiantes de minorías y la formación de grupos era algo prohibido, era un
acto de provocación. Todos fuimos declarados enemigos del régimen y
perseguidos: algunos detenidos, otros corridos de la universidad, interrogados
constantemente, (…) a mi me decían que era enemigo del estado, un parásito, una
perra, una porquería y una traidora de la patria (…)
“Me decían que yo escribía pornografía porque
las dictadoras son muy mojigatas: cada familia debía tener 5 hijos, no usar
anticonceptivos y los abortos eran castigados severamente. Cuando yo iba al
dentista tenía que pasar primero por el ginecólogo y era imposible escaparse.
Todo estaba prohibido (…) Yo no sabía hasta que lo vi en mis expediente, pero
en mi casa había micrófonos ocultos. Yo pensaba que un país tan pobre no se
podía pagar esa tecnología (…)
“A pesar de todo, uno aprendía a regocijarse con lo que fuera. Los mejores
chistes políticos surgen en las épocas más duras y los rumanos tienen un poder
de inventiva increíble. Sabíamos que la felicidad era efímera y para todo se
encontraba la broma, que también era una forma de crítica política al régimen.
En nuestro grupo nos reíamos muchísimo, también llorábamos mucho pero nos
reíamos, porque si no, no se puede”
A sus 34 años, Müller se vio obligada a huir de
Rumania por la constante guerra psicológica que sufrió por parte del régimen,
que además de las persecuciones y los interrogatorios, se encargó de que la
despidieran de todos los empleos posibles. “Constantemente asesinaban a gente
por todas partes y yo tenía miedo por mi vida. No me quería ir, era mi tierra,
donde nacieron mis ancestros por más de 300 años, pero estaba acabada. Cuando
salí de Rumania tenía los nervios destruidos, ya no tenía fuerza. Si no me
hubiera ido hubiera acabado en el pabellón psiquiátrico”.
A la pregunta ¿para quién escribes?, Herta
respondió: “en primer lugar para poder aguantarme a mí misma”. ¿Para existir?
Preguntó Sabina. “No, no para existir, también existiría si no estuviera
escribiendo. Hay autores que dicen que si ya no pudieran escribir ya no
quisieran vivir, pero yo sí quiero vivir. Me di cuenta de cuánto me gusta vivir
porque durante unos diez años temía permanentemente ser asesinada por el
estado. La vida está en primer lugar, y quien ponga lo otro en primer lugar
nunca ha sufrido nada”.
Después de trabajar, desanduve el camino hasta casa desde el otro extremo de
las calles residenciales pasando por Grosser Ring. Deseaba comprobar si en la
iglesia de la
Santísima Trinidad existían todavía el nicho blanco y el
santo con la oveja a modo de cuello en la capa.
En Grosser Ring había un chico gordo con calcetines blancos hasta la rodilla,
pantalones cortos de pata de gallo y camisa blanca con chorreras, como si se
hubiera escapado de una fiesta. Deshojaba un ramo de dalias blancas para
alimentar a las palomas. Ocho palomas picoteaban las dalias blancas creyendo
que lo que había en el pavimento era pan y las dejaban tiradas. A los pocos
segundos lo olvidaban, sacudían las cabezas y comenzaban de nuevo a picotear
las mismas flores. Cuánto tiempo creería su hambre que las dalias se
convertirían en pan. Qué creía el chico. Era un listo o tan tonto como el
hambre de las palomas. Yo no quería pensar en el engaño del hambre. Si el chico
hubiera esparcido pan en lugar de dalias deshojadas, no me habría detenido. El
reloj de la iglesia marcaba las seis menos diez. Cruce la plaza deprisa, por si
la iglesia cerraba a las seis.
Entonces vino a mi encuentro Trudi Pelikan, por primera vez desde el campo. Nos
vimos demasiado tarde. Ella se apoyaba en un bastón. Como ya no podía
esquivarme, dejó el bastón sobre el pavimento y se agachó hacia su zapato. Pero
éste no estaba desabrochado.
Ambos estábamos de nuevo en casa desde hacía más de medio año, en la misma
ciudad. No quisimos reconocernos por nuestro propio bien. Es fácil de entender.
Aparté deprisa la cabeza. Pero con cuánto gusto la habría abrazado y dicho que
estoy de acuerdo con ella. Con cuánto gusto habría dicho: Siento que tengas que
agacharte, yo no necesito bastón, la próxima vez lo haré yo por los dos, si me
lo permites. Su bastón barnizado llevaba abajo una garra herrumbrosa y una bola
blanca en la empuñadura.
En lugar de dirigirme a la iglesia giré de improviso a la izquierda hacia la
calle estrecha por la que había venido. El sol me picaba en la espalda, el
calor se extendía por debajo de mi pelo como si mi cabeza fuera una chapa a la
intemperie. El viento arrastraba una alfombra de polvo, en las copas de los
árboles resonaba un canto. Entonces un embudo de polvo se situó sobre la acera
y me atravesó tambaleándose hasta que se disolvió. Al caer, dejó el pavimento
moteado de negro. El viento rugió y trajo las primeras gotas. Había llegado la
tormenta. Crepitaron flecos de cristal y de golpe azotaron las cuerdas del
agua. Me refugié en una papelería.
Al entrar me limpié el agua del rostro con la manga. La vendedora salió por una
puertecita con cortina. Llevaba en chancleta unas zapatillas de fieltro con
borlas, como sí en cada pie le brotara un pincel del empeine. Se situó detrás
del mostrador. Yo permanecí junto al escaparate y durante un rato la miré a
ella con un ojo y con el otro al exterior. Ahora su mejilla derecha estaba muy
hinchada. Sus manos reposaban sobre el mostrador, su anillo de sello era
dema-siado pesado para esas manos huesudas, era de caballero. Su mejilla
derecha se volvió plana, incluso cóncava, y la izquierda gorda. Oí un chasquido
entre sus dientes, chupaba un caramelo. Al momento cerró los ojos, y las tapas
de sus ojos eran de papel. El agua de mi té hierve, anunció. Desapareció por la
puertecita, y en el mismo momento un gato salió deslizándose bajo la cortina.
Vino hacia mí y se frotó contra mi pantalón, como si me conociera. Lo cogí en
brazos. No pesaba. No es un gato, me dije, sólo el aburrimiento a rayas grises
hecho piel, la paciencia del miedo en una calle estrecha. Olfateó mi chaqueta
mojada. Su nariz era coriácea y abombada como un talón. Cuando colocó las patas
delanteras sobre mi hombro y examinó mi oreja, no respiraba. Aparté su cabeza y
saltó al suelo, donde cayó con el sigilo de un paño, sin producir el menor ruido.
Estaba vacío por dentro. También la vendedora salió por la puertecita con las
manos vacías. Dónde estaba el té, no podía habérselo bebido tan deprisa.
Además, ahora su mejilla derecha había engordado otra vez. Su anillo de sello
raspó el mostrador.
Pedí un cuaderno.
Cuadriculado o rayado, inquirió.
Rayado, contesté.
Lleva dinero suelto, no tengo cambio, dijo ella sorbiendo. Y las dos mejillas
se tornaron cóncavas. El caramelo resbaló sobre el mostrador. Tenía dibujos
diáfanos, y lo introdujo deprisa en su boca. No era un caramelo, ella chupaba
el cairel tallado de una araña de cristal.
Herta Müller por Sophie Bassouls (Paris, 1987) Corbis
Cuadernos rayados
Al día siguiente era domingo. Estrené el cuaderno rayado. El primer capítulo se
titulaba: Prólogo. Empezaba con la frase: Me entenderás, signo de
interrogación.
El tuteo iba dirigido al cuaderno. Y en siete páginas trataba de un hombre
llamado T. P. Y de otro con el nombre A. G. Y de un K. H. y un O. E. De una
mujer con el nombre B. Z. A Trudi Pelikan le di el nombre supuesto de Cisne.
Escribí el nombre de la planta, Koksokhim Zavod, y de la estación del
ferrocarril minero, Jasinovataia. También los nombres Kobelian e
Imaginaria-Kati. Mencioné asimismo a su hermano pequeño Piold y su momento de
lucidez. El capítulo terminaba con una larga frase:
Al amanecer, después de lavarme, se desprendió de mis cabellos una gota que
resbaló por la nariz hasta la boca como una gota de tiempo, lo mejor será que
me deje crecer una barba trapezoidal, para que nadie más en la ciudad me
reconozca.
En las semanas siguientes amplié el Prólogo con tres cuadernos más.
Omití que, en el viaje de regreso, Trudi Pelikan y yo subimos sin previo
acuerdo a diferentes vagones de ganado. Silencié mi vieja maleta de gramófono.
Describí con exactitud mi nueva maleta de madera, mis nuevas ropas: las
balétki, la gorra de visera, la corbata y el traje. Oculté mi llanto convulsivo
durante el regreso, al llegar al campo de acogida de Sighetul Marmatiei, la
primera estación de ferrocarril rumana. También la cuarentena de una semana en un
almacén de mercancías al final de la vía de la estación. Yo me derrumbé por
dentro por miedo a mi deportación, a la libertad y a su precipicio más cercano,
que cada vez acortaba más el camino a casa. Con mi nueva carne, mis nuevas
ropas y las manos levemente hinchadas, permanecía entre la maleta del gramófono
y la maleta de madera nueva como si estuviese en un nido. El vagón de ganado no
estaba precintado. La puerta se abrió de par en par, el tren entró rodando en
la estación de Sighetul Marmatiei. Una nieve fina cubría el andén, caminé sobre
azúcar y sal. Los charcos grises estaban helados, el hielo arañado como el
rostro de mi hermano cosido.
Cuando el policía rumano nos tendió los salvoconductos para el viaje de
regreso, recogí la despedida del campo y sollocé. Hasta casa, con dos
transbordos en Baia Mare y Klausenburg, mediaban a lo sumo diez horas. Nuestra
cantante Loni Mich se arrimó al abogado Paul Gast, dirigió sus ojos hacia mí y
creyó susurrar. Pero yo entendí todas y cada una de sus palabras: Mira cómo
llora ése, algo lo supera, dijo.
He reflexionado con frecuencia sobre esta frase. Después la escribí en una
página en blanco. Al día siguiente la taché. Al otro volví a escribirla debajo.
Volví a tacharla, volví a escribirla. Cuando la hoja estuvo llena, la arranqué.
Eso es el recuerdo.
En lugar de mencionar la frase de la abuela, Sé que volverás, el pañuelo blanco
de batista y la leche saludable, describí durante páginas, con estilo triunfal,
el pan propio y el pan de mejilla. A continuación, mi tesón en el intercambio
de salvación con la línea del horizonte y las carreteras polvorientas. Con el
ángel del hambre me entusiasmé, como si en lugar de torturarme me hubiera
salvado. Por eso taché Prólogo y escribí encima Epílogo. Era el gran fiasco
interior de estar ahora en libertad irremisiblemente solo y ser un testigo
falso para mí mismo.
Escondí mis tres cuadernos rayados en mi nueva
maleta de madera, que yacía bajo mi cama y era mi armario ropero desde mi
regreso al hogar.