la rebelión consiste en mirar una rosa

hasta pulverizarse los ojos


Alejandra Pizarnik


ETIQUETAS

Joan Baez en Italia: C'era un ragazzo che come me amava i Beatles e i Rolling Stones y Blowin in the wind, 1967





























Canción en italiano grabada en vivo (Viena, junio 1967) ,  incluida en el disco JOAN BAEZ IN ITALY, grabado en vivo en mayo de 1967 en el Teatro Lírico de Milán, en agradecimiento de Joan Baez a sus amig@s de Italia.



ERA UN MUCHACHO QUE COMO YO AMABA A LOS BEATLES Y A LOS ROLLING STONES

Había un muchacho
que como yo
amaba a los Beatles y a los Rolling Stones,
recorría el mundo
venía de los Estados Unidos de América.

No era guapo,
pero junto a él
tenía a mil mujeres si
cantaba Help, Ticket to Ride,
o Lady Jane, o Yesterday,
cantaba: Viva la Libertad,
pero recibió una carta.
Su guitarra me regaló,
le hicieron volver a América.

Stop! Con los Rolling Stones!
Stop! Con los Beatles stop!
Me han dicho "se va a Vietnam
y dispara a los Vietcong"
tatatatatatatatata...

Había un muchacho
que como yo
amaba a los Beatles y a los Rolling Stones,
recorría el mundo y después acabó
haciendo la guerra en Vietnam.

Cabellos largos
no lleva sueltos,
no toca la guitarra sino
un instrumento
que siempre da
la misma nota "ta-ra-ta-ta".
Ya no tiene amigos,
ya no tiene fans,
ve a la gente caer,
a su país no volverá,
ahora ha muerto en Vietnam.

Stop! Con los Rolling Stones!
Stop! Con los Beatles, stop!
En el pecho ya no tiene un corazón,
sino dos o tres medallas...
tatatatatatatatatatata...

© autores M.Lusini F. Migliacci
Traducida al español por Kara Hidden




C´ERA UN RAGAZZO CHE COME ME AMAVA I BEATLES I ROLLING STONES
C'era un ragazzo
che come me
amava i Beatles e i Rolling Stones,
girava il mondo
veniva da gli Stati Uniti d'America.

Non era bello,
ma accanto a sè
aveva mille donne se
cantava Help, Ticket to Ride,
o Lady Jane, o Yesterday,
cantava: Viva la Libertà,
ma ricevette una lettera.
La sua chitarra mi regalò,
fu richiamato in America.

Stop! Coi Rolling Stones!
Stop! Coi Beatles stop!
M'han detto "va nel Viet-nam
e spara ai Viet-cong"
tatatatatatatatata...

C'era un ragazzo
che come me
amava i Beatles e i Rolling Stones,

girava il mondo e poi finì
a far la guerra nel Viet-Nam.

Capelli lunghi
non porta giù,
non suona la chitarra ma
uno strumento
che sempre dà
la stessa nota "ta-ra-ta-ta".
Non ha più amici,
non ha più fans,
vede la gente cadere giù,
nel suo paese non tornerà,
adesso è morto nel Viet-Nam.

Stop! Coi Rolling Stones!
Stop! Coi Beatles, stop!
Nel petto un cuore più non ha,
ma due medaglie o tre...
tatatatatatatatatatata...

Gal y Caetano en Rolling Stone: Memorias e Intimidades/ “Recanto” el nuevo disco de ella con canciones de él/ entrevista de Ronaldo Evangelista, 2011



Sob as Estrelas da Bahia


Fotos: © Victor Affaro

Gal Costa e Caetano Veloso retomam em 2011 uma das parcerias mais 
duradouras, intensas e prolíficas da música brasileira – 
uma história de amor nascida nos anos 60 e que gera frutos até hoje







Sentados lado a lado, cada um em uma ponta de um sofá bege de listras marrons no camarim de um estúdio fotográfico em Salvador (BA), Caetano Veloso, 68, e Gal Costa, 65, têm 50 anos de história para lembrar. Caetano senta-se reto, atento; Gal está à vontade, com as costas fundas no sofá. Passeando entre os muitos pontos de intersecção em duas carreiras sempre próximas e distantes, falam dirigindo-se tão frequentemente um ao outro quanto a mim, sentado em uma cadeira de frente para os dois. Enquanto reconstroem memórias em par, completam as frases mútuas com intimidade além daquela de namorados ou irmãos, mas de amizades que se orbitam, não importa quantas vezes o planeta gire. Se amizade é identificação, confiança, comunhão de raízes, empatia ilimitada, amigos são mais do que a família que escolhemos, são aqueles que continuam nos conhecendo quando mudamos.


Alguém entra na sala, traz água de coco para Gal e sai. Caetano cruza as pernas embaixo de si, no sofá. Estamos aqui por uma ocasião especial: Caetano, vindo de uma fase especialmente carregada de frescor, depois dos discos Cê e Zii e Zie (e um ao vivo com Maria Gadú, vá lá), se viu tomado por inspiração para desencadear um processo semelhante com Gal, compondo todo um disco para ela e direcionando as gravações (se nada mudar, o álbum, previsto para setembro, deverá se chamar Doce). A última vez que ela entrou em estúdio para fazer um álbum foi em 2005 - Hoje, lançado pela gravadora Trama. O novo disco terá o apoio da gravadora Universal, que também lança os discos de Caetano e recentemente compilou os LPs de Gal gravados entre 1967 e 1983 em uma caixa com 16 CDs.


Gal e Caetano estão apreensivos, em pleno processo de finalização do álbum: faltam poucos dias para terminarem de registrar as vozes definitivas no estúdio de Carlinhos Brown, no Candeal. As bases já foram gravadas no Rio com a ajuda de Moreno Veloso - filho de Caetano e afilhado de Gal - e com participações de jovens músicos cariocas. Assim que o último rec virar stop, os arquivos de áudio ganharão mixagem, masterização, título e capa. Hoje, sábado nublado de junho, estamos na Bahia para falar do passado no presente - Bahia que já existia em mim através das músicas e agora se materializa no momento vivido e no cenário de lembranças do compositor e da cantora.


"O Caetano para mim é muito importante por tudo que a gente viveu e conviveu", Gal começa. "Por tudo que ele compôs, tantas músicas que ele fez para mim, direcionadas a mim, falando para mim. Eu adoro as canções de Caetano. Ele é o compositor que melhor escreve para mim, para a minha voz, para mim mesmo. A gente tem uma identificação musical. Neste momento, Caetano fazer este trabalho comigo é maravilhoso. É muito importante historicamente e emocionalmente."

Caetano, propulsor da ideia há um ano e meio, quando pela primeira vez contou a Gal do novo projeto, explica que a vontade deste álbum nasceu de pensar na história da presença de ambos na música e na história da própria música brasileira. "Gal tem uma qualidade de emissão vocal muito especial e um papel histórico muito importante, e as duas coisas estavam relativamente subvalorizadas nos últimos tempos", reflete. "Tenho necessidade de ter uma visão histórica mais equilibrada, e isso me pareceu como uma necessidade para mim mesmo e tenho certeza que para os outros também. Então fiquei com desejo de fazer o repertório e produzir um disco todo para Gal. Me interesso muito por fazer este disco agora, para reequilibrar a visão histórica."
 
Gal, entretanto, deixa claro que em nenhum momento a ideia foi homenagear o que houve, mas sim o que ainda há para haver. "Não vai ter nada a ver com nenhum disco que eu já fiz na vida, nem com nenhum disco que ele já fez na vida", explica. "Vai ser uma coisa nova, repertório novo, tudo novo, mas é claro que tem a ver com passado porque a nossa história está impregnada na gente."

Maria da graça, então com 17 para 18 anos, era uma jovem devota de João Gilberto com um desejo irredutível: iria ser cantora. Naquela adolescência em Salvador, a coisa mais importante que poderia lhe acontecer era conhecer pessoas com quem dividir os sonhos e planos. "O Caetano foi o primeiro cara que me ouviu cantar", ela lembra. "Foi a primeira pessoa, na verdade, que gostou de mim, do meu canto, se identificou com isso. Eu ainda muito nova, querendo ser cantora, e ele gostou logo do meu jeito de cantar, me passou uma música dele, que depois gravei. Começou daí, ele foi o primeiro compositor que conheci. Foi o primeiro gás para mim, a primeira força, como um aval." Caetano, também totalmente "joãogilbertiano", então com 20 anos e mais pretensões de compositor do que cantor, lembra os detalhes: "A Gal conheci em 1963, em Salvador, por sugestão de Laís Salgado, amiga minha, professora de dança", remonta. "Ela me disse que uma aluna tinha uma vizinha que cantava lindamente, parecido com as coisas de que eu gostava. Então ela marcou um encontro na Escola de Dança e me apresentou a Dedé, sua aluna - com quem terminei me casando -, e Dedé me levou a Gal, que conheci e achei que cantava realmente divinamente. Ela era novinha e era tímida assim, retraída. Achei que ela cantava magnificamente bem e falei para ela: 'Você é a maior cantora do Brasil'."




Afinidades expostas, não demorou para virarem uma turma e, pouco depois, em 22 de agosto de 1964, ao lado do também novo amigo de ambos Gilberto Gil, da irmã de Caetano, Maria Bethânia, e mais outros quatro jovens músicos baianos, realizarem no Teatro Vila Velha o espetáculo coletivo Nós, Por Exemplo - os primeiros ensaios artísticos de todos juntos em um "show de bossa nova", como dizia o programa. Ainda demoraria mais um par de anos para a turma desabrochar e tornar-se conhecida nacionalmente, mas já no ano seguinte Maria da Graça gravaria seu primeiro compacto, pela gravadora RCA, cantando no lado A "Eu Vim da Bahia", de Gil, e no B a tal primeira música ensinada a ela pelo autor Caetano, "Sim, Foi Você".

Dori Caymmi, filho carioca do ícone musical maior da Bahia, foi quem produziu, em 1967, o primeiro álbum de Gal e Caetano, que debutavam juntos no mundo do long playing. Gravado no Rio, Domingo é um disco suave e doce, de bossa tardia e com leve gosto de Bahia, encantador até hoje. A maioria das canções não passa dos dois minutos e ainda assim seguem todas tranquilas, tomando o seu tempo, pairando no ar e invadindo os espíritos sensíveis, como logo na faixa de abertura, o dueto "Coração Vagabundo". Gal, cantando "Avarandado", não deixa dúvidas da enorme e charmosa timidez que sentia e nem da perfeição das delicadas composições iniciais de Caetano para sua voz cristalina.

   
Desde aquele primeiro momento, as personalidades e musicalidades se enriqueciam mutuamente, completavam-se. Na contracapa de Domingo, Caetano escrevia: "Gal participa dessa qualidade misteriosa que habita os raros grandes cantores de samba: a capacidade de inovar, de violentar o gosto contemporâneo, lançando o samba para o futuro, com a espontaneidade de quem relembra velhas musiquinhas. [...] Desde a Bahia que nós cantamos juntos, desde lá que ela faz com que meus sambas existam de verdade. Não há defasagem de tempo entre a composição e o canto: cada interpretação sua tem a mesma idade da canção. Todas as minhas músicas que aparecem aqui foram feitas junto dela e um pouco por ela também. Ouso considerá-la como parte integrante do meu processo de criação: este é um disco de 'Gal interpretando Caetano' mesmo nas faixas em que ela canta músicas de outros autores ou quando sou eu mesmo quem canta as minhas. Gal cantando o que quer que ela goste, isso já é minha música, e quando eu canto ela está presente".

Gau era o apelido íntimo, a maioria a chamava de Gracinha. Maria da Graça era o que aparecia na certidão de nascimento e nome artístico, mas o empresário Guilherme Araújo, então cuidando de todo o grupo baiano, não via ali nome de uma artista moderna. Pensando na cantora francesa de yé-yé France Gall, pegou o apelido de Gracinha e trocou o u por l para deixar mais universal: Gal. "O Guilherme Araújo dizia que a Gal tinha todos os elementos para ser uma figura do iê-iê-iê mais moderna, de uma maneira sofisticada", lembra Caetano, sobre as ideias do empresário. "Como se ela fosse uma SuperWanderléa."

"É, Guilherme me falava isso", Gal concorda. "Dizia que eu tinha que fazer uma coisa mais de iê-iê-iê." Caetano nota: "Era interessante porque ele estava falando isso sem saber que eu estava com minhocas na cabeça para algo que no fundo era parecido com aquilo. As transformações que a gente achava necessárias acontecerem na música popular brasileira, o que veio dar no Tropicalismo. Aquela expressão aparentemente superficial tinha uma intuição profunda". Em vários aspectos, pode-se argumentar que o primeiro LP solo de Gal, gravado em 1968 e lançado no começo de 1969, é o primeiro disco pop brasileiro. Ao lado dos primeiros álbuns dos Mutantes, é provavelmente o ápice do tropicalismo como proposta prática, com uma perfeição que não há em qualquer outro disco do movimento - seja coletivo, seja de Caetano ou seja de Gil. Carregado de signos direcionados ao imaginário pop, com uma aura de vanguarda casual, o álbum é uma obra plenamente bem definida, pessoal e universal - em cada música e na fluência com que se apresenta, do começo ao fim. Desde a capa, com foto em close no rosto perfeito de Gal, olhar perdido em algo à sua direita e à nossa esquerda, envolvida em um boá de plumas brancas e em seus próprios cabelos escuros e cacheados.


"Era uma forma de reclamar, de ir contra aquele momento difícil, 
aquele regime da ditadura, os amigos desaparecidos. "
 Gal Costa




 Gal, Caetano y Bethania

Todo levado pelos arranjos expressivamente originais de Rogério Duprat, Gil e Lanny Gordin, o disco abre com ruídos e o iê-iê-iê romântico e esperto "Não Identificado", de Caetano, e logo segue com o coco "Sebastiana", de Jackson do Pandeiro, reinventado por guitarras e sarro. Metais com surdina e cordas sustentam o clima de "Lost in the Paradise", um Caetano em inglês, e na sequência a voz de Gil e a guitarra ultrafuzz de Lanny anunciam o groove de "Namorinho de Portão", de Tom Zé, com Gil assobiando ou fazendo contracanto por toda a faixa. A bossa antropofágica "Saudosismo", de Caetano, começa com os primeiros versos de "Fotografia", de Tom Jobim, cita "A Felicidade", "Lobo Bobo", "Chega de Saudade" e fala de "João girando na vitrola sem parar". De seu começo suave ao fim apoteótico de noises (mais Lanny), uma homenagem e, ao mesmo tempo, carta de intenções de novas propostas sobre velhos pilares: nova bossa velha, velha bossa nova. "Se Você Pensa", canção então novíssima de Roberto (e Erasmo) Carlos, ainda mais na pegada do que já era o original, tem ataque de sopros, guitarras nervosas e virada de bateria. Abrindo o lado B, outra de Erasmo/Roberto, inédita especial para a ocasião, na mesma inspiração de libertação, "Vou Recomeçar". "Divino, Maravilhoso", parceria de Caetano e Gil feita especialmente para Gal representar o tropicalismo em Festival da Record, é outra canção exalando vontade de vida: "É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte".


Caetano canta com Gal a pérola de Jorge Ben "Que Pena (Ele Já Não Gosta Mais de Mim)", um dos hits do disco. A faixa seguinte é outra com presença de Caetano, cantando e na composição, a canção mais famosa do disco e, talvez, de toda a carreira de Gal: "Baby", sucesso do então recente LP-manifesto da Tropicália (presente aqui na mesma gravação). Começo com baixo, percussão e violão, arranjo de cordas em cascata, Caetano ao fundo contracantando "please stay by me, Diana" e a voz cristalina de Gal cantando sobre a piscina, a margarina, a Carolina, a gasolina, o sorvete, aquela canção do Roberto, leia na minha camisa, o refrão em inglês. Praticamente um manual hipster da época. A fanfarra "feelgood" de Gil (com letra de Torquato Neto) "A Coisa Mais Linda que Existe" (spoiler: ter você perto de mim) fala de sair por aí, do jornal, do apartamento, da cidade, da praça, da noite na noite escura, da sorte que o vento espalha. Terminando no pique alegre, outra de Jorge Ben, "Deus É o Amor", com balanço de violão, bateria e flauta inspiradas, refrão para cima e voz apaixonantemente doce.

 
"A Tropicália fazia muito parte do momento em que foi lançada", observa Gal. "Era o momento hippie, tinha os Beatles, Janis Joplin - fazia parte dessa linguagem. Ela foi importante em termos estéticos, agregou novos instrumentos, uma nova linguagem. E resgatou coisas maravilhosas, artistas como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro - que eram geniais, mas não eram considerados no sul do país como grandes nomes da música brasileira mais sofisticada. A importância da Tropicália foi nesse aspecto estético e comportamental, fazia parte de um momento mesmo."
 
Dividindo o momento, é claro, a figura-mestre na instauração do movimento e amigo mais próximo: no saldo final do álbum solo de estreia, cinco canções de Caetano - uma a mais do que Gal havia cantado em Domingo. "Todo o movimento tropicalista teve uma colaboração e uma participação intensa e muito expressiva de Gal", descreve Caetano. "O disco que ela gravou no período tropicalista. A apresentação de 'Divino Maravilhoso' - que é inesquecível, que qualquer um pode ver no YouTube. Aquilo era o avesso da bossa nova, como todo o tropicalismo era, mas que a Gal justamente era capaz de realizar com uma plenitude total."


Na prática, o tropicalismo durou menos de dois anos, apesar da ampla longevidade de sua influência: no dia 27 de dezembro de 1968, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos pelo governo militar, passaram dois meses em solitárias celas de um quartel, quatro outros sem poder sair de Salvador e, finalmente, foram convidados a sair do país. Em julho de 1969, partiram. Em Londres, onde fixariam residência pelos três anos seguintes, ampliaram o contato com o pop internacional e produziram grandes obras, mas ao longo de um período particularmente triste. Por aqui, de repente sem os parceiros mais íntimos, Gal se viu com todo um movimento sobre seus ombros. "Eles foram exilados e eu fiquei aqui defendendo as canções que compunham em Londres", lembrou Gal em nosso primeira conversa, certa tarde em um hotel em São Paulo, meses antes do reencontro em Salvador. "Tem um disco que eu me lembro que era esteticamente agressivo, eu quase não cantava, eu berrava", ela conta, sobre Gal (1969). "Aquele disco que tem uma pintura na capa é o verdadeiro disco radical, intocável no rádio, totalmente experimental. Eu grito, uso sons estranhos com a voz. Mas era uma coisa pensada, racionalizada, feita a sério, não era loucura. Nunca fui chegada a droga, aquilo não era porque eu estava doidona. Era uma forma de reclamar, de ir contra aquele momento difícil, aquele regime da ditadura, os amigos desaparecidos. Era um comportamento proporcional, como se eu estivesse gritando socorro, berrando, reclamando. Fiz porque era necessário fazer, uma forma de gritar contra tudo que acontecia naquele momento."

"Você precisa saber que Gal Costa é um dos acontecimentos mais importantes da música brasileira de hoje", escreveu Caetano Veloso no release de Gal, o segundo LP solo da cantora. "Na Bahia havia a Graça e uma sala profunda, enraizada, recôncava de cachoeiras mortas, uma voz guardada apenas ali, absoluta. Gal nunca teve medo. Eu não tenho medo de saber que é difícil para o artista assumir sua própria grandeza", seguia. No mesmo texto, ainda dizia: "Não acredito que alguém ainda tenha medo de guitarras elétricas. WOW!"


 "Meu nome é Gal..."

 Gal, Caetano y Bethania

Entre guitarras elétricas e gritos, cercada de Duprat, Lanny e Jards Macalé, Gal protesta cantando dois novos Caetanos, três novos Gils, dois Jorges Bens, uma de Macalé e novo auge pop em uma nova composição especial de Roberto e Erasmo, "Meu Nome É Gal". Em trecho declamado, ela assina: "Meu nome é Gal, tenho 24 anos. Nasci na Barra Avenida, Bahia. Todo dia eu sonho alguém pra mim. Acredito em Deus, gosto de baile, cinema. Admiro Caetano, Gil, Roberto, Erasmo, Macalé, Paulinho da Viola, Lanny, Rogério Sganzerla, Jorge Ben, Rogério Duprat, Waly, Dircinho, Nando e o pessoal da pesada. E, se um dia eu tiver alguém com bastante amor pra me dar, não precisa sobrenome, pois é o amor que faz o homem."

"O chato é que a gente não pode falar mal de ninguém com esses microfones", sussurra João Gilberto, para risos de Caetano e Gal. Os três estão em um estúdio no prédio da TV Tupi, onde hoje fica a MTV, em São Paulo, entre microfones, almofadas, garrafas de Coca-Cola e até uma mesa de pingue-pongue. Caetano veio especialmente de Londres para gravar o especial de TV que reúne os três e iria ao ar em agosto de 1971. Os dois fãs já tinham tido oportunidade de conhecer João na Bahia havia alguns anos, mas aqui estavam convocados pelo ídolo máximo para uma troca direta e pública: mais que reconhecimento profissional, marco pessoal. Para quebrar o gelo, de saída, cantam juntos por 15 minutos "Saudade da Bahia", de Dorival Caymmi, e falam sobre a terra natal. "Tive uma ideia genial, posso dar?", pergunta, de repente, Gal. "Pode, eu não tenho ideia nenhuma", responde Caetano, tímido. "De a gente - nós três - cantar 'Coração Vagabundo'", sugere ela. "Espetacular", anima-se o pai da bossa nova. "Mas eu tenho que aprender a harmonia." Caetano se emociona: "Não faça isso...", suspira. "Caetano sabe", encoraja Gal. "Caetano sabe? Então me mostra." Diante de João, Caetano hesita - "Tocar violão com você eu sempre acho um absurdo" -, mas cede. "Eu toco como eu fiz a música, faço assim", Caetano diz, antes de respirar fundo e começar: "Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o que quer..."

O simbolismo emocional daquele momento é enorme: desde a primeira conversa que tiveram, naquele dia em Salvador, em 1963, o mais forte elo entre Caetano Veloso e Gal Costa fora João Gilberto. "A gente sabia tudo dos três primeiros discos dele, conhecia todas as canções, sabia em que ordem vinha", detalha hoje Caetano. "Tudo, sabia os arranjos, a respiração de João", emenda Gal. "Eu ouvia e aquilo me arrepiava inteira."


Não era à toa que, três meses depois do encontro na Tupi, Gal iniciava seu novo show, Fatal - A Todo Vapor, só, com o violão. "Na época do Fatal, eu estava com João quase diariamente", ela recorda. "Ele morava numa rua paralela à que eu morava e a gente todo dia se encontrava, fazia música e cantava, ele cantava, eu cantava." No repertório da abertura acústica do show aparecia "Falsa Baiana", antigo samba de Geraldo Pereira (um dos compositores favoritos de João, sendo que ele mesmo gravaria a faixa depois). Gal lembra que João chegou a aparecer em uma apresentação ("Ele foi ver escondidinho num canto, assistiu lá atrás, ninguém viu e ele saiu antes de acabar") e é delicioso imaginar o marco histórico do mestre do silêncio João Gilberto assistindo ao ponto máximo da distorção na música brasileira na guitarra de Lanny Gordin - que fazia os arranjos e tocava com seu trio na segunda parte do show, indo ainda além das experimentações em disco. Apresentado no Teatro Tereza Rachel, no Rio, injeção na veia do zeitgeist, marco da geração do desbunde, A Todo Vapor foi uma revolução para Gal.


Menos de dois anos depois, com os amigos de volta ao Brasil, Gal Costa lançou o revolucionário Índia. A capa é um close das partes baixas dela (cobertas por um biquíni mínimo); a contracapa, exuberantemente, revela seus seios sob uma fantasia de índia - a timidez dava lugar à diva hippie. Da mesma forma que Água Viva, alguns anos depois, aquela era uma tremenda novidade, uma ampliação do foco, pela primeira vez com interpretações de canções de "emepebistas" como Chico Buarque, Ivan Lins, Gonzaguinha e Milton Nascimento (e ainda Caetano, claro). Discos que vieram depois, como Gal Tropical e Fantasia, já no fim dos anos 70, começo dos 80, traziam hits extremos como "Balancê" e "Festa do Interior" e corriam o risco de ver Gal acusada de careta, mas o álbum Baby Gal foi uma revolução, uma guinada pop. Resumindo: Gal Costa passou por muitas reinvenções.

 
"O mundo muda e a gente muda também com o mundo, senão fica estagnado", ela avalia. "Nós somos máquinas de mudança, sempre vendo coisas que fazem transformar. Você ficar igual o resto da vida é horrível. O barato é você mudar, se gostar. Tem coisas de que eu não gostava na década de 70 e hoje gosto. Tem coisas de que eu gostava e hoje detesto. É assim: a vida é uma eterna transformação. Esse é o barato da vida, de viver. E isso é fundamental, pra vida e pra arte. Quando o trabalho de um artista é verdadeiro, ele fica pra sempre. E isso vai se revelando através de sua alma, de seu caráter, do seu jeito. O trabalho de um artista é um espelho da alma dele."


De "Baby" a "Tieta", Gal cantou mais Caetano Veloso do que qualquer outro compositor. Em todos os seus discos, sem considerar os tributos temáticos, há ao menos uma canção dele. De Caetano, Gal já cantou frevos, bossas, sambas, canções, marchas, baiões, rocks; cantou sobre amor, saudade, tristeza, contemplação. Períodos especiais de luz em sua discografia surgem com participação de Caetano, como no único álbum de Gal que produziu, o delicado Cantar, em 1974, com o piano de João Donato. Ou nas canções feitas para ela e sobre ela, como "Minha Voz, Minha Vida", "Vaca Profana" e "Da Maior Importância". "Eu e Gal sempre brochamos todas as vezes que tentamos brincar de namorar", escreveu Caetano, entre reminiscências. "No início de nossa carreira, dividíamos a cama de casal de Guilherme Araújo em Sampa. Todas as noites eu tentava seduzi-la com um disco de Bob Dylan e papo-furado. Ela sempre resistiu e terminávamos as noites às gargalhadas." Tais lembranças constam do texto que acompanhou o ensaio nu de Gal para a revista Status, em 1985. Todo mundo viu o que todos sentiam: tamanha empatia, identificação, admiração não viria sem boa dose de paixão, ainda que cinquentenariamente platônica.







O que Gal e Caetano sempre lembram quando pensam no primeiro disco que gravaram juntos, há 45 anos, Domingo, é quão cedo tinham que acordar: antes das 7. Estreantes tímidos, sobravam com os horários indesejados pelas estrelas da gravadora, que gravavam pelas tardes e noites. Uma tortura para os dois jovens baianos acostumados a não levantar cedo. "Eu costumava dormir muito tarde e acordava à uma da tarde", lembra Gal. "Eu sou assim ainda", emenda Caetano, rindo. Na atual temporada no estúdio de Carlinhos Brown, as vozes de Gal são gravadas das 4 da tarde às 10 da noite. Hoje, Gal tem um filho, Gabriel, 5 anos, que adotou há quatro - daí os horários mais tradicionais de ultimamente.

 
Depois de quatro anos em São Paulo e mais de 20 no Rio, há 12 Gal está de volta à Bahia, morando em um apartamento com vista para a Baía de Todos os Santos. Quem também mora em Salvador é seu afilhado, Moreno, filho de Caetano e que também ajuda no disco novo. Produtor dos dois últimos álbuns do pai ao lado da Banda Cê, formada por amigos de sua geração, Moreno explica que Caetano chegou até ele com quase todas as ideias prontas para o disco de Gal. "Ele pediu a minha ajuda pra executar o que estava na cabeça dele, para que os caminhos fossem encontrados", lembra. "O pacto é escolher as pessoas e mostrar o tipo de sonoridade que está sendo buscada, a partir daí cada contribuição é importante e desejada. Kassin participou, é um dos músicos importantes. E também o Rabotnik, que é uma banda experimental que a gente admira. Meu pai teve essa ideia de chamá-los, acho que foi num show deles. Nas faixas em que tocaram, eles fizeram toda a base e a minha madrinha só cantou em cima."

 
Uma das poucas canções não inéditas do disco novo é "Madre Deus", escrita por Caetano e gravada por José Miguel Wisnik para a trilha do espetáculo Onqotô, do Grupo Corpo, em 2005. "A letra fala de uma experiência minha", conta Caetano, inclinando-se para a frente no sofá bege, falando para mim e ao mesmo tempo para Gal, "de quando era adolescente me deitar à noite no ancoradouro de Madre Deus - que é uma ilha aqui na Baía de Todos os Santos - e ficar vendo o céu todo estrelado. Eu sentia que ia me desprender da terra, sentia mesmo, uma sensação bem forte, e fiz a música por causa disso. Eu nem me lembrava dela, mas o Zé Miguel, sabendo que eu estava fazendo disco para a Gal, me disse: 'Você devia botar 'Madre Deus', porque eu tive uma conversa com Gal faz pouco tempo em que ela me descreveu que ela própria teve experiência exatamente igual a essa sua'. Não no ancoradouro de Madre Deus, no chão de um pátio, mas de olhar para um céu estrelado e sentir essa mesma vertigem."

Se o trabalho de um artista verdadeiro é para sempre, as estrelas são passado. Mas a sensibilidade e as conexões não sofrem defasagem de tempo. Estamos todos sob as estrelas do céu da Bahia.




 
Clik aquí para ver un ranking de las  20 canciones de Caetano Veloso y  Gal Costa mas escuchadas en  Brasil.



©Ronaldo Evangelista
Rolling Stone Brasil
Edición 58
2011

Foto portada revista: © Victor Affaro


La entrevista completa puede leerse en la edición impresa.



  





Homenaje a Rosa Luxemburgo: "Para Ella", poema de Beatriz Iriart






A la memoria de Rosa Luxemburgo
 

Cuando cantamos
el paisaje universal cambia
pero si alguien desaparece
grita
y se siente amurallado
entre gemidos y voces.








Joan Baez canta "We Shall Overcome" en persa /Carta al pueblo iraní








Carta de Joan Baez al pueblo iraní


In you the world sees the power of nonviolence. We hear it in the roar of your silence and see it in your eyes
as you sit down peacefully in the face of terror. We are moved by your courage and inspired by your sacrifices.
I am fortunate to be alive to witness this movement.
I send you my prayers, love, and support.


En ustedes el mundo ve el poder de la no-violencia. Nosotr@s la escuchamos en el rugido de vuestro silencio y la vemos en sus ojos pacíficos enfrentados al terror. Nosotr@s estamos conmovid@s por su coraje y estamos inspirad@s por sus sacrificios.

Yo tengo la suerte de estar viva  para presenciar este movimiento. Les envío mis oraciones, mi amor y mi apoyo.

JOAN BAEZ
Junio 2009





We shall overcome
(G. Carawan, Hamilton, Z. Horton, P. Seeger)

We shall overcome,
We shall overcome,
We shall overcome, some day.

Oh, deep in my heart,
I do believe
We shall overcome, some day.

We'll walk hand in hand,
We'll walk hand in hand,
We'll walk hand in hand, some day.

Oh, deep in my heart,

We shall live in peace,
We shall live in peace,
We shall live in peace, some day.

Oh, deep in my heart,

We shall all be free,
We shall all be free,
We shall all be free, some day.

Oh, deep in my heart,

We are not afraid,
We are not afraid,
We are not afraid, TODAY

Oh, deep in my heart,

We shall overcome,
We shall overcome,
We shall overcome, some day.

Oh, deep in my heart,
I do believe
We shall overcome, some day






Nosotros venceremos

Nosotros venceremos,
Nosotros venceremos
Nosotros venceremos algún día.
En lo más profundo de mi corazón,
Yo estoy segura,
Que nosotros venceremos algún día.

Caminaremos de  la mano,
Caminaremos de la mano
Caminaremos de la mano algún día.

En lo más profundo de mi corazón,
Yo estoy segura,
Que nosotros venceremos algún día.


Nosotros viviremos en paz
Nosotros viviremos enpaz
Nosotros viviremos en en paz, algún día.

En lo más profundo de mi corazón,
Yo estoy segura,
Que nosotros venceremos algún día.


Nosotros seremos libres
Nosotros seremos libres
Nosotros seremos libres algún día

En lo más profundo de mi corazón,
Yo estoy segura,
Que nosotros venceremos algún día.


No tenemos miedo,
No tenemos miedo,
No tenemos miedo, hoy.


En lo más profundo de mi corazón,
Yo estoy segura,
Que nosotros venceremos algún día.



Nosotros venceremos,
Nosotros venceremos
Nosotros venceremos algún día.

En lo más profundo de mi corazón,
Yo estoy segura,
Que nosotros venceremos algún día.







Herta Müller en Guadalajara: “Mi meta no es literaria, quiero contar lo que pasa en este mundo horrible” / entrevista de Gabriela Cabezón Cámara / Textos de “Todo lo que tengo lo llevo conmigo”





En una entrevista exclusiva con Clarín, la autora habla de su vida en el stalinismo, que la marcó.


“…escribir tiene mucho más que ver con callarse que con hablar.”



Es una mujer pequeña, muy blanca, de pelo negro, ojos azules, ropa negra. Y el pulso que le tiembla un poco. Herta Müller dice que preferiría que nadie la conociera, que el Nobel le sirvió, claro, para no tener problemas económicos de ninguna índole, pero que no soporta estar en público. Sin embargo siente que tiene algo para decir, entonces viene – acá está, en la Feria Internacional del Libro de Guadalajara – y lo dice. “La censura no sólo se da en el arte. Durante la dictadura comunista de Ceausescu, la comida estaba censurada: no teníamos acceso ni a la canasta básica. Lo mismo pasaba con las medicinas, hasta con la aspirina y el algodón. Estaban censurados”.

Dice, también, que los poemas a veces son “la única plegaria posible para la gente que no cree en Dios”, que ella se los recitaba a sí misma durante los interrogatorios a los que los sometió la policía secreta de Rumania. No le gusta, pero va y viene y habla en público y se la interpela como a una especie de cruzada antitotalitaria y ella contesta así.

Nació en Rumania en 1953, en una minoría germano parlante, y ahí vivió hasta 1987, cuando logró emigrar a Alemania occidental, luego de padecer interrogatorios de la policía secreta y, sí, censura. Su padre había sido oficial del ejército nazi. Su madre estuvo deportada cinco años en un campo de trabajo, como buena parte de la población germanoparlante. Aunque el país había sido aliado de los nazis, los rusos decidieron “reeducar” solo a la minoría que hablaba alemán. Incluyendo a algún que otro judío, cuenta Müller, y habla en serio. Hambre, nieve, cemento, carbón, hambre, piojos, frío, muerte y hambre: eso padeció la madre de Müller junto a sus compañeros en ese campo. Y de eso, de esos campos de trabajo, se trata de Todo lo que tengo lo llevo conmigo, la última novela de la Nobel, que llegó a Guadalajara encabezando la delegación de Alemania, invitada de honor de esta edición de la Feria.

Habla cansada, tiene los ojos rojos, el pulso no muy seguro. Y uno le cree todo lo que dice. Parece una mujer atravesada por el dolor. De verdad.

-Cuesta imaginar cuánto silencio hubo en su infancia, teniendo en cuenta el pasado de sus padres.

-Yo tenía dos padres destrozados. Mi padre era alcohólico y mi madre estaba rota por su experiencia en el campo de trabajo. Yo estuve muy sola, no tengo hermanos y además trabajaba muchísimo. En la generación de mis padres, todos habían estado en la SS o en el ejército nazi. Y casi todos los que no habían estado en la guerra habían estado en el campo de trabajo como mi madre y todo eso parecía algo normal. Yo no entendí de qué se trataba el nacional socialismo hasta que tuve 15 años y fui a estudiar a la ciudad. En ese momento también empezaron las luchas, los conflictos con mi padre.

-¿Para usted la literatura fue una forma de liberarse de ese silencio?

-Yo aprendí que escribir tiene mucho más que ver con callarse que con hablar. Sin embargo, fue una liberación cuando empecé a escribir porque por primera vez hubo palabras para expresar lo que sentía. Yo vivía en el campo y realmente los campesinos no suelen hablar mucho, son muy callados y, además, no usan términos abstractos, hablan sólo de cosas concretas y nunca de sí mismos. De hecho, se considera que uno no debe de hablar de sí, es algo que no se hace y en la literatura fue realmente la primera vez que pude hablar de mí. Pero insisto, no sé si fue una liberación porque los contenidos eran muy difíciles, yo vivía dentro de una dictadura cuando empecé a leer. Y no leía para liberarme sino más bien para ver cómo vivir, en muchos momentos he pensado que realmente no sabía vivir. De niña, por ejemplo, muchas veces me tocaba cuidar de las vacas en el valle y era un valle verde, pero yo estaba sola con las vacas. Estaba ahí solita, desesperada, y muchas veces sentí envidia de las plantas: las plantas sí sabían vivir y yo no.

-Usted cuenta, como experiencia traumática, su trabajo en una fábrica de la dictadura. ¿Le sirvió para imaginar el campo de trabajo?

-La fábrica era puro escombros, vieja, descuidada y yo veía que en las salas de producción los obreros tenían que hacer un trabajo durísimo. Yo no estaba en una situación tan tremenda. Muchos se tenían que levantar a las 3 de la mañana, trabajaban hasta las 5 de la tarde, volvían a sus casas, comían algo, dormían y al día siguiente lo mismo. Y las condiciones de trabajo eran pésimas, hacía muchísimo frío, las ventanas estaban rotas y la gente tenía que beber desde muy temprano para no congelarse. Además, cuando uno llegaba lo primero que escuchaba eran canciones socialistas en plan de “qué suerte que tenemos de poder trabajar”. Los lemas socialistas, el progreso del que se hablaba en los eslóganes, eran una locura, contrastaban con todo lo que estábamos viviendo. Luego llegó el momento en que el servicio secreto me pidió que cooperara con ellos, me negué y ahí empezaron los grandes problemas para mí. Me interrogaban a cada rato. Me despidieron de la fábrica, me persiguieron. Pero no sé si todo esto fue tan determinante para que yo imaginara la vida en el campo.

-¿Lo que más la influyó fue su relación con el poeta Oskar Pastior, que estuvo deportado allí?

-Sí. Todo lo que él me contó. Además, fuimos a Ucrania, donde había estado el campo de trabajo. Vimos lo que quedaba de la torre de refrigeración, de los tubos, de la zonas que se habían usado como burdel…


-En este libro lo que predomina es la materia: el carbón, la arena, el cemento, el cuerpo atormentado, ¿cómo pensó esa poética?

-Oskar Pastior me contó todos los detalles. Por ejemplo, la arena, sus características, su color, o el carbón, cuál era la clase que él prefería porque era más fácil de trabajar, todo eso ya es poético en sí. Yo creo que la poesía está en los detalles, en la exactitud para contar las cosas. Esas descripciones fueron mi única posibilidad de descubrir cómo uno llega a sus límites, cómo uno trabaja mucho más, rinde mucho más de lo que puede si lo obligan y cómo el hambre, el hambre desesperante lo controla todo, cómo se llega al delirio sobre la comida y cómo uno se ve atormentado por fantasías por el mismo hambre horrible que sufre. Todo esto me lo contó Pastior y sobre esa base pude inventar lo demás. También tenía el ejemplo de mi madre, que durante toda su vida tuvo una relación tremenda con la comida por su experiencia en el campo de trabajo. Ella no hablaba porque no podía, aunque finalmente el silencio también cuenta algo. Mi madre tenía la costumbre de peinarme y a la vez siempre me contaba cómo era eso de raparse y yo me quería cortar las trenzas para que ya no me estuviera hablando de eso. Pero no me dejó. Tal vez le gustaba peinarme.

-Usted habla mucho del uso del lenguaje que hacen las dictaduras. ¿Cree que la literatura sirve para luchar contra eso?

-No sé. Me parece eso sólo puede lograrlo la gente. La literatura que se puede tomar en serio no trabaja con lenguaje ideológico. El así llamado realismo socialista no era realismo, era una gran mentira socialista. Esos libros tenían que reflejar lo que la dictadura quería. Sólo las sociedades pueden limpiar ese veneno de la lengua. En mi caso, cuando escribo no pienso en el lenguaje, mi meta no es escribir literatura, quiero contar lo que está pasando en este mundo horrible. Para eso necesito un lenguaje, claro, y lo uso y lo invento.

©Gabriela Cabezon Camara
Noviembre 2011
Revista Ñ





"La vida está en primer lugar": Herta Müller
       
La escritora habló sobre su exilio en Alemania y sobre los significados de su oficio.

Señala que estar bajo los reflectores no es su actividad preferida-

La escritora rumana ofreció un conmovedor testimonio sobre los horrores que sufrió durante la dictadura de Nicolae Ceausescu

GUADALAJARA, JALISO (29/NOV/2011).- La premio Nobel de literatura Herta Müller continua sus actividades en la FIL, a pesar de que, como ya ha expresado en más de alguna ocasión en esta feria, estar bajo los reflectores no es su actividad preferida. El día de hoy su interlocutora fue la periodista Sabina Berman, quien guió la conversación para que la escritora hablara principalmente sobre los horrores que tuvo que atravesar durante la dictadura de Nicolae Ceausescu en Rumania, sobre su exilio en Alemania y sobre los significados de su oficio.


“Yo no escribo literatura, cuando escribo quiero saber cómo funciona la vida y sólo puedo escribir sobre lo que está alrededor mío, sobre lo que veo y lo que vivo (…). Yo siempre empiezo a escribir cuando ya no puedo seguir adelante, y escribir es lo único que me permite volver a soportar la realidad y las cosas (…)

“A mí me veían como enemiga en todos lados. Mi propia minoría y el estado, los dos me odiaban ¿sobre qué más podía escribir? (…) aunque claro que también se ama en las dictaduras, se ama mucho, porque tal vez lo erótico sea lo único privado que uno tiene.


“Yo pertenecía a un grupo de escritores, todos estudiantes de minorías y la formación de grupos era algo prohibido, era un acto de provocación. Todos fuimos declarados enemigos del régimen y perseguidos: algunos detenidos, otros corridos de la universidad, interrogados constantemente, (…) a mi me decían que era enemigo del estado, un parásito, una perra, una porquería y una traidora de la patria (…)


Me decían que yo escribía pornografía porque las dictadoras son muy mojigatas: cada familia debía tener 5 hijos, no usar anticonceptivos y los abortos eran castigados severamente. Cuando yo iba al dentista tenía que pasar primero por el ginecólogo y era imposible escaparse. Todo estaba prohibido (…) Yo no sabía hasta que lo vi en mis expediente, pero en mi casa había micrófonos ocultos. Yo pensaba que un país tan pobre no se podía pagar esa tecnología (…)


“A pesar de todo, uno aprendía a regocijarse con lo que fuera. Los mejores chistes políticos surgen en las épocas más duras y los rumanos tienen un poder de inventiva increíble. Sabíamos que la felicidad era efímera y para todo se encontraba la broma, que también era una forma de crítica política al régimen. En nuestro grupo nos reíamos muchísimo, también llorábamos mucho pero nos reíamos, porque si no, no se puede”


A sus 34 años, Müller se vio obligada a huir de Rumania por la constante guerra psicológica que sufrió por parte del régimen, que además de las persecuciones y los interrogatorios, se encargó de que la despidieran de todos los empleos posibles. “Constantemente asesinaban a gente por todas partes y yo tenía miedo por mi vida. No me quería ir, era mi tierra, donde nacieron mis ancestros por más de 300 años, pero estaba acabada. Cuando salí de Rumania tenía los nervios destruidos, ya no tenía fuerza. Si no me hubiera ido hubiera acabado en el pabellón psiquiátrico”.


A la pregunta ¿para quién escribes?, Herta respondió: “en primer lugar para poder aguantarme a mí misma”. ¿Para existir? Preguntó Sabina. “No, no para existir, también existiría si no estuviera escribiendo. Hay autores que dicen que si ya no pudieran escribir ya no quisieran vivir, pero yo sí quiero vivir. Me di cuenta de cuánto me gusta vivir porque durante unos diez años temía permanentemente ser asesinada por el estado. La vida está en primer lugar, y quien ponga lo otro en primer lugar nunca ha sufrido nada”.






Herta Müller   
"Todo lo que tengo lo llevo conmigo"



El bastón


Después de trabajar, desanduve el camino hasta casa desde el otro extremo de las calles residenciales pasando por Grosser Ring. Deseaba comprobar si en la iglesia de la Santísima Trinidad existían todavía el nicho blanco y el santo con la oveja a modo de cuello en la capa.


En Grosser Ring había un chico gordo con calcetines blancos hasta la rodilla, pantalones cortos de pata de gallo y camisa blanca con chorreras, como si se hubiera escapado de una fiesta. Deshojaba un ramo de dalias blancas para alimentar a las palomas. Ocho palomas picoteaban las dalias blancas creyendo que lo que había en el pavimento era pan y las dejaban tiradas. A los pocos segundos lo olvidaban, sacudían las cabezas y comenzaban de nuevo a picotear las mismas flores. Cuánto tiempo creería su hambre que las dalias se convertirían en pan. Qué creía el chico. Era un listo o tan tonto como el hambre de las palomas. Yo no quería pensar en el engaño del hambre. Si el chico hubiera esparcido pan en lugar de dalias deshojadas, no me habría detenido. El reloj de la iglesia marcaba las seis menos diez. Cruce la plaza deprisa, por si la iglesia cerraba a las seis.


Entonces vino a mi encuentro Trudi Pelikan, por primera vez desde el campo. Nos vimos demasiado tarde. Ella se apoyaba en un bastón. Como ya no podía esquivarme, dejó el bastón sobre el pavimento y se agachó hacia su zapato. Pero éste no estaba desabrochado.

Ambos estábamos de nuevo en casa desde hacía más de medio año, en la misma ciudad. No quisimos reconocernos por nuestro propio bien. Es fácil de entender. Aparté deprisa la cabeza. Pero con cuánto gusto la habría abrazado y dicho que estoy de acuerdo con ella. Con cuánto gusto habría dicho: Siento que tengas que agacharte, yo no necesito bastón, la próxima vez lo haré yo por los dos, si me lo permites. Su bastón barnizado llevaba abajo una garra herrumbrosa y una bola blanca en la empuñadura.


En lugar de dirigirme a la iglesia giré de improviso a la izquierda hacia la calle estrecha por la que había venido. El sol me picaba en la espalda, el calor se extendía por debajo de mi pelo como si mi cabeza fuera una chapa a la intemperie. El viento arrastraba una alfombra de polvo, en las copas de los árboles resonaba un canto. Entonces un embudo de polvo se situó sobre la acera y me atravesó tambaleándose hasta que se disolvió. Al caer, dejó el pavimento moteado de negro. El viento rugió y trajo las primeras gotas. Había llegado la tormenta. Crepitaron flecos de cristal y de golpe azotaron las cuerdas del agua. Me refugié en una papelería.


Al entrar me limpié el agua del rostro con la manga. La vendedora salió por una puertecita con cortina. Llevaba en chancleta unas zapatillas de fieltro con borlas, como sí en cada pie le brotara un pincel del empeine. Se situó detrás del mostrador. Yo permanecí junto al escaparate y durante un rato la miré a ella con un ojo y con el otro al exterior. Ahora su mejilla derecha estaba muy hinchada. Sus manos reposaban sobre el mostrador, su anillo de sello era dema-siado pesado para esas manos huesudas, era de caballero. Su mejilla derecha se volvió plana, incluso cóncava, y la izquierda gorda. Oí un chasquido entre sus dientes, chupaba un caramelo. Al momento cerró los ojos, y las tapas de sus ojos eran de papel. El agua de mi té hierve, anunció. Desapareció por la puertecita, y en el mismo momento un gato salió deslizándose bajo la cortina. Vino hacia mí y se frotó contra mi pantalón, como si me conociera. Lo cogí en brazos. No pesaba. No es un gato, me dije, sólo el aburrimiento a rayas grises hecho piel, la paciencia del miedo en una calle estrecha. Olfateó mi chaqueta mojada. Su nariz era coriácea y abombada como un talón. Cuando colocó las patas delanteras sobre mi hombro y examinó mi oreja, no respiraba. Aparté su cabeza y saltó al suelo, donde cayó con el sigilo de un paño, sin producir el menor ruido. Estaba vacío por dentro. También la vendedora salió por la puertecita con las manos vacías. Dónde estaba el té, no podía habérselo bebido tan deprisa. Además, ahora su mejilla derecha había engordado otra vez. Su anillo de sello raspó el mostrador.


Pedí un cuaderno.


Cuadriculado o rayado, inquirió.


Rayado, contesté.


Lleva dinero suelto, no tengo cambio, dijo ella sorbiendo. Y las dos mejillas se tornaron cóncavas. El caramelo resbaló sobre el mostrador. Tenía dibujos diáfanos, y lo introdujo deprisa en su boca. No era un caramelo, ella chupaba el cairel tallado de una araña de cristal.





Herta Müller por Sophie Bassouls (Paris, 1987) Corbis

Cuadernos rayados


Al día siguiente era domingo. Estrené el cuaderno rayado. El primer capítulo se titulaba: Prólogo. Empezaba con la frase: Me entenderás, signo de interrogación.

El tuteo iba dirigido al cuaderno. Y en siete páginas trataba de un hombre llamado T. P. Y de otro con el nombre A. G. Y de un K. H. y un O. E. De una mujer con el nombre B. Z. A Trudi Pelikan le di el nombre supuesto de Cisne. Escribí el nombre de la planta, Koksokhim Zavod, y de la estación del ferrocarril minero, Jasinovataia. También los nombres Kobelian e Imaginaria-Kati. Mencioné asimismo a su hermano pequeño Piold y su momento de lucidez. El capítulo terminaba con una larga frase:


Al amanecer, después de lavarme, se desprendió de mis cabellos una gota que resbaló por la nariz hasta la boca como una gota de tiempo, lo mejor será que me deje crecer una barba trapezoidal, para que nadie más en la ciudad me reconozca.

En las semanas siguientes amplié el Prólogo con tres cuadernos más.


Omití que, en el viaje de regreso, Trudi Pelikan y yo subimos sin previo acuerdo a diferentes vagones de ganado. Silencié mi vieja maleta de gramófono. Describí con exactitud mi nueva maleta de madera, mis nuevas ropas: las balétki, la gorra de visera, la corbata y el traje. Oculté mi llanto convulsivo durante el regreso, al llegar al campo de acogida de Sighetul Marmatiei, la primera estación de ferrocarril rumana. También la cuarentena de una semana en un almacén de mercancías al final de la vía de la estación. Yo me derrumbé por dentro por miedo a mi deportación, a la libertad y a su precipicio más cercano, que cada vez acortaba más el camino a casa. Con mi nueva carne, mis nuevas ropas y las manos levemente hinchadas, permanecía entre la maleta del gramófono y la maleta de madera nueva como si estuviese en un nido. El vagón de ganado no estaba precintado. La puerta se abrió de par en par, el tren entró rodando en la estación de Sighetul Marmatiei. Una nieve fina cubría el andén, caminé sobre azúcar y sal. Los charcos grises estaban helados, el hielo arañado como el rostro de mi hermano cosido.

Cuando el policía rumano nos tendió los salvoconductos para el viaje de regreso, recogí la despedida del campo y sollocé. Hasta casa, con dos transbordos en Baia Mare y Klausenburg, mediaban a lo sumo diez horas. Nuestra cantante Loni Mich se arrimó al abogado Paul Gast, dirigió sus ojos hacia mí y creyó susurrar. Pero yo entendí todas y cada una de sus palabras: Mira cómo llora ése, algo lo supera, dijo.


He reflexionado con frecuencia sobre esta frase. Después la escribí en una página en blanco. Al día siguiente la taché. Al otro volví a escribirla debajo. Volví a tacharla, volví a escribirla. Cuando la hoja estuvo llena, la arranqué. Eso es el recuerdo.


En lugar de mencionar la frase de la abuela, Sé que volverás, el pañuelo blanco de batista y la leche saludable, describí durante páginas, con estilo triunfal, el pan propio y el pan de mejilla. A continuación, mi tesón en el intercambio de salvación con la línea del horizonte y las carreteras polvorientas. Con el ángel del hambre me entusiasmé, como si en lugar de torturarme me hubiera salvado. Por eso taché Prólogo y escribí encima Epílogo. Era el gran fiasco interior de estar ahora en libertad irremisiblemente solo y ser un testigo falso para mí mismo.


Escondí mis tres cuadernos rayados en mi nueva maleta de madera, que yacía bajo mi cama y era mi armario ropero desde mi regreso al hogar.

© Herta Müller
Todo lo que tengo lo llevo conmigo (fragmentos)
Traducción del alemán: Rosa Pilar Blanco
Madrid, Siruela, 2010
Premio Nobel de Literatura 2009


Fuente:  Ignoria